Dona Aninhas era como todos
conheciam a portuguesa Ana Elisa do Couto (1926-2007) em Penafiel,
cidade de 15 mil habitantes na região do Porto. E se hoje ela tem uma
placa afixada em praça pública na terra natal não é sem motivo: foi por
causa dela, avó de quatro netas e dois netos, que o dia 26 de julho se
tornou reconhecido como Dia dos Avós em Portugal - data também celebrada
noBrasil.
Nos
anos 1980, porque ela achava que ninguém dava o valor merecido aos avôs
e avós, decidiu se tornar uma missionária da causa. Dona Aninhas esteve
em países como Brasil, França, Estados Unidos, Alemanha, África do Sul,
Espanha, Angola, Suíça e Canadá, sempre defendendo que se comemorasse o
Dia dos Avós. E a data escolhida tinha um forte motivo: dia 26 de julho
é quando a Igreja Católica celebra São Joaquim e Santa Ana, pais de
Maria, avós de Jesus.
Uma história, entretanto, que nem na Bíblia
está. "Não há nomes, pormenores, nem citações da vida e da existência
dos pais de Maria", afirma o teólogo e filósofo Fernando Altemeyer
Júnior, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP). "Ambos são citados no evangelho apócrifo de São Tiago, não
reconhecido pela Igreja. Portanto, não constam em livros canônicos."
Isso não impediu que São Joaquim e Santa Ana viessem a ser reconhecidos e celebrados pela Igreja como pais de Maria.
Religiosidade

O teólogo lembra que São João Damasceno, monge
sírio que viveu entre 676 e 747, quando comentava o Natal, já abordava
os pais de Maria com esses nomes, como sendo o casal São Joaquim e Santa
Ana.
"Sua festa era celebrada originalmente em 20 de março, junto
a São José. Depois, acabou transferida para 16 de agosto, por causa do
triunfo da filha, Maria, na Assunção, no dia precedente", conta
Altemeyer. "Em 1879, o papa Leão 23, cujo nome de batismo era
Gioacchino, ou seja, versão italiana de Joaquim, oficializou a festa em
toda a Igreja. Já o dia 26 de julho foi determinado pelo papa Paulo 6º."
No imaginário religioso, por sua vez, é famosa a representação
dos avós de Jesus na Capela dos Scrovegni, em Pádua - pintada por Giotto
(1276-1337).
Outros países
Mas
o dia 26 de julho não é um consenso mundial. Na Itália, por exemplo,
houve a preocupação de desconectar o Dia dos Avós da memória dos santos,
justamente para enfatizar o caráter civil (e não religioso) da
celebração- e a "Festa Dei Nonni" é celebrada dia 2 de outubro.
Nos
Estados Unidos, comemora-se no primeiro domingo de setembro. No Reino
Unido, no primeiro domingo de outubro. A França é um caso raro: há o Dia
das Vovós (primeiro domingo de março) e o Dia dos Vovôs (primeiro
domingo de outubro)
A Estônia comemora no segundo domingo de outubro. A Austrália, no primeiro domingo de novembro. O Canadá, em 25 de outubro.
Comércio
Autodenominado
especialista em velhice, o jornalista e escritor Ulisses Tavares, avô
de um menino de um ano e meio, aborda a comemoração do Dia dos Avós em
seu recém-lançado livro Engate uma 3ª e Vá em Frente!.
"Os
avós fingem, acomodados ou com medo de afastar a família, que acham
lindo terem filhos e netos-efemérides, que costumam lembrar deles em dia
das mães, natal, avós etc. Aparecem e depois somem. É bem injusto,
triste, e cabe a avós, filhos e netos romperem esse comportamento
repetitivo e completamente deslocado no século 21. Menos selfies e mais
amor contínuo e desinteressado, please", reclama.
O hábito
de presentar avós na data, porém, ainda não pegou - para lamento do
comércio. "O Dia dos Avós tem um simbolismo grande, mas do ponto de
vista comercial não é significativo, não é uma data de peso para o
varejo. O impacto é limitado, não chega a alterar os dados de desempenho
do comércio", afirma o superintendente institucional da Associação
Comercial de São Paulo, Marcel Solimeo.

Solimeo também acredita que a proximidade com o Dia
dos Pais, data bastante consolidada, atrapalha o viés comercial da data.
"Não é fácil lançar uma data comercial, mas nada impede que ela
eventualmente deslanche, a partir de investimento e planejamento bem
feitos. Outra opção é mudar a data no calendário, colocando-a no começo
de setembro ou de julho, por exemplo", afirma.
A banalização
comercial da data, entretanto, tem opiniões contrárias. "Presentear com
flores, artesanato, desenhos, mensagens, ok. Relação humana não é
relação comercial. Mamães, papais e avós devem incentivar seus filhos e
netos a não serem consumistas. Amor não se compra com dinheiro. Essas
datas são boas para manter a economia girando e as pessoas afundando",
afirma Ulisses Tavares.
"Abraços e beijos sinceros e espontâneos
valem ouro e são os presentes que todos precisam, independente da idade.
Esse é o calcanhar de Aquiles do deus-mercado. No caso, ele quer ver
todos no inferno do consumo desenfreado e odeia qualquer coisa que seja
de graça, como o afeto genuíno entre os familiares."
Mas não é
assim que funciona, afinal? Datas como Dia dos Namorados - no Brasil
comemorado em 12 de junho - não foram obra pura e simplesmente de
publicitários? E o Natal, com a onipresente figura do Papai Noel
bonachão?
"O cara que desenhou ou Papai Noel do jeito que conhecemos, barba branca e roupitcha
vermelha, foi o Norman Rockwell. A serviço da Coca Cola! Você vai na
sede da Coca, em Atlanta, e tem Norman Rockwell para todo lado, em todas
a paredes", compara o publicitário Lusa Silvestre.
"Então, não é que o mercado se apropria das datas. O
mercado (ou os publicitários, sendo mais dedo-duro) inventa as datas. É
para isso que estamos lá: pra inventar demanda onde não existe. Não sei
se há futuro nessa estratégia, o consumidor já identifica essas ações
oportunistas."
A professora de Marketing Mariana Munis, da
Universidade Presbiteriana Mackenzie de Campinas, concorda que o
consumidor está de olho. "Em tempos de tanta informação, o varejo deve
tomar cuidado para que suas ações não aparentem algo fake, que force a
barra, ou seja, ao escolher ações para serem efetuadas em datas
comemorativas, deve-se levar em consideração a sinergia desta com o
negócio", analisa
E se presente não parece ter vez na data, como
fica aquela história de que na casa dos avós criança pode tudo? "Os avós
já criaram os filhos que, agora, por preguiça ou falta de tempo, deixam
os próprios filhos no pseudoparaíso que é a casa dos avós. Onde tudo
pode e todos os desejos das crianças são realizados. Só que esse paraíso
vira um inferno para os avós, exatamente porque estão em um momento da
vida em que precisam de ordem, energia e tempo livre para eles mesmos",
aponta Tavares.
"Avós precisam ver respeitados seus limites,
necessidades, interesses e privacidade. E os netinhos também. Nos tempos
atuais, na casa dos avós pode ter muito amor, carinho, mimos, mas sem
bagunçar e virar tudo de pernas para o ar." (BBC News Brasil)
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