Se hoje a bancada ruralista é a 
principal força pressionando o Congresso para flexibilizar a proteção 
ambiental, é consenso entre agrônomos e pesquisadores que o futuro do 
agronegócio depende da preservação ambiental. 
Agrônomos, biólogos e entidades como a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) alertam que a destruição da vegetação nativa
 e as mudanças climáticas têm grande potencial para prejudicar 
diretamente o agronegócio no Brasil, porque afetam diversos fatores 
ambientais de grande influência sobre a atividade agrícola. 
O 
principal deles é o regime de distribuição das chuvas, essenciais para 
nossa produção – apenas 10% das lavouras brasileiras são irrigadas. Com o
 desmatamento e o aumento das temperaturas, serão afetados umidade, 
qualidade do solo, polinizadores, pragas. 
A BBC News Brasil ouviu pesquisadores do agronegócio e nomes 
ligados ao setor para entender como esses riscos gerados pela destruição
 do ambiente devem afetar a produtividade das plantações brasileiras e 
mesmo se safras se tornarão inviáveis. 
Eles dizem as notícias sobre o setor ambiental no Brasil não são animadoras: se o ritmo de desmatamento na Amazônia continuar como está, atingiremos em pouco tempo um nível de devastação sem volta.
 Junho foi o mês com mais desmatamento na Amazônia, 920,4 km², desde o 
início do monitoramento com sistema de alerta pelo Inpe (Instituto 
Nacional de Pesquisas Espaciais), em 2015. Foi um aumento de 88% em 
relação ao mesmo mês no ano passado.
Ao mesmo tempo, as pressões e cobranças internacionais chamam atenção para a agenda ambiental do governo Bolsonaro, que tem flexibilizado a legislação ambiental e diminuído a fiscalização.
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| A Floresta Amazônica é questão central no debate ecológico internacional | 
 Crise iminente
Atualmente, o agronegócio é responsável por 21,6% do PIB brasileiro, segundo o Ministério da Agricultura. 
Preocupados
 com questões como logística, estrutura e desafios comerciais como o 
vaivém das commodities no mercado internacional, a questão da 
sustentabilidade acaba não sendo prioridade para o setor como um todo.
"A
 questão da sustentabilidade, no sentido amplo, é uma preocupação. Mas 
em primeiro lugar vêm a estrutura e a logística e as questões 
comerciais", afirma o agrônomo Roberto Rodrigues, ex-ministro da 
Agricultura (2003-2006) e coordenador da área de agro da Fundação 
Getúlio Vargas. 
No entanto, os riscos gerados pela devastação 
ambiental na agricultura são uma ameaça muito mais iminente do que se 
imagina, segundo o pesquisador Eduardo Assad, da Embrapa.
Alguns estudos, como um feito por pesquisadores das Universidades Federais de Minas Gerais e Viçosa,
 projetam perdas de produtividade causadas por desmatamento e mudanças 
climáticas para os próximos 30 anos. Outros não trabalham com tempo, mas
 com nível de devastação, como o estudo Efeitos do Desmatamento Tropical no Clima e na Agricultura,
 das cientistas americanas Deborah Lawrence e Karen Vandecar, que afirma
 que quando o desmatamento na Amazônia atingir 40% do território 
(atualmente ele está em 20%), a redução das chuvas será sentida a mais 
de 3,2 mil km de distância, na bacia do Rio da Prata.
Para Assad, que também é professor da FGV Agro e 
membro do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, os efeitos da 
destruição do ambiente e das mudanças climáticas já começam a ser 
sentidos. 
Ele cita, por exemplo, o relatório da Associação dos 
Produtores de Soja (Aprosoja) que mostra a perda de mais de 16 milhões 
de toneladas na safra de soja deste ano devido a seca que atingiu as 
principais regiões produtoras desde dezembro. "Já há evidências de que 
as mudanças climáticas aumentaram o número de eventos extremos, como 
secas e ondas e calor", afirma Assad. 
Há duas ameaças principais,
 segundo Lawrence e Vandecar. A primeira é o aquecimento global, que 
acontece em escala global e que é intensificado pelo desmatamento. A 
outra são os riscos adicionais criados pela devastação das florestas, 
que geram impactos imediatos na quantidade de chuva e temperatura, tanto
 em nível local quanto continental. 
Deficiência hídrica e temperatura
A
 maior parte da produção agrícola brasileira depende das chuvas – só 5% 
da produção total e 10% da produção de grãos são irrigados. Isso 
significa que mudanças na precipitação afetam diretamente nossa 
produção. 
O regime de chuvas é afetado por uma série de fatores –
 desde a topografia até as correntes marítimas. Um fator importante é a 
dinâmica de evaporação e transpiração terrestres, ou seja, a umidade 
produzida pela respiração das árvores e plantas, explica o agrônomo da 
USP Gerd Sparovek, professor da Esalq (Escola Superior de Agricultura 
Luiz de Queiroz) e presidente da Fundação Florestal do Estado de São 
Paulo. 
Esse fenômeno, chamado de evapotranspiração, é 
especialmente alto em florestas tropicais como a amazônica – elas são o 
ecossistema terrestre que mais movimenta água, transformando a água do 
solo em umidade no ar e diminuindo a temperatura da atmosfera sobre 
elas. 
"Ao cortar a vegetação natural que, durante o ano inteiro 
joga água na atmosfera, umas das principais consequências é a formação 
de menos nuvens no período seco", explica Assad, da Embrapa. "Um estudo 
que acabamos de finalizar mostra um aumento significativo de deficiência
 hídrica do Nordeste ao Centro-Oeste", diz.

 
 
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