"Não é da benevolência do
açougueiro, cervejeiro ou padeiro que garantimos nosso jantar, mas da
preocupação deles com o próprio interesse. Não devemos nos dirigir à
humanidade deles, mas ao amor próprio, e jamais falar das nossas
necessidades, mas sim das vantagens que eles têm a receber."
Quando o economista Adam Smith estava escrevendo, em 1770, The Wealth of Nations (A Riqueza das Nações),
um de seus livros mais influentes, sua caixa de correio provavelmente
não recebia cartas com imagens comoventes de crianças famintas, com
pedidos de doação.
E quando passeava pela sua cidade natal, Kirkcaldy, em Fife, na
costa da Escócia, provavelmente não era abordado por homens e mulheres
pedindo para que ele se cadastresse para fazer doações mensais a
instituições de caridade.
Hoje em dia não é incomum sermos
abordados pessoalmente, por telefone, via televisão, rádio ou correio,
para que façamos doações. E os argumentos usados normalmente focam não
em vantagens que receberíamos, mas nas nas necessidades dos
beneficiários.
Caridade se tornou um grande negócio, embora seja difícil saber o tamanho exato— há poucas estatísticas sobre isso.
Um
estudo recente estima que os britânicos doam 54 centavos de libra
esterlina de cada £ 100 que possuem (R$ 535,90). Isso é três vezes mais
que os alemães, mas apenas um terço do que os americanos doam.
O
valor doado pelos britânicos é equivalente ao que eles gastam com
cerveja, não muito menos do que gastam com carne e três vezes mais que o
gasto na compra de pão. Ou seja, em termos de importância econômica, as
instituições de caridade estão em igualdade com o açougueiro, o
cervejeiro e o padeiro.
Segundo relatório de 2019 do Charities
Aid Foundation, no Brasil, sete em cada 10 pessoas doaram dinheiro nos
últimos 12 meses a uma organização social, igreja ou organização
religiosa.
O mestre da estratégia de obter doações
A
caridade é tão antiga quanto a humanidade. O costume religioso do
dízimo - de doar 10% dos salários para causas da igreja - faz o valor de
54 centavos de libra de cada £ 100 parecer irrisório.
Mesmo
assim, a verdade é que diferentes impostos e contribuições substituíram o
dízimo na vida moderna e muitas organizações de caridade não têm a
vantagem de dizer que falam em nome de Deus.
Elas precisam ser profissionais em termos de persuasão. E há um homem considerado o pai desse setor: Charles Summer Ward.
No
final do século 19, ele começou a trabalhar na Associação Cristã de
Moços (YMCA, na sigla em inglês). Ward era um "homem de tamanho médio,
tão sutil nos seus modos" que ninguém suspeitaria do seu poder de
levantar fundos, resume o jornal New York Post.
Essa capacidade
singular foi reconhecida pela primeira vez em 1905, quando seus
empregadores o enviaram a Washington DC para angariar fundos para a
construção de um novo prédio.
Ward encontrou um rico doador para fazer uma grande
contribuição, sob a condição de que o público complementasse o restante.
Ele, então, estabeleceu um prazo fictício para que isso acontecesse e
conseguiu os recursos no tempo previsto.
Ward passou a aplicar
amplamente seus métodos— estabelecimento de um deadline, prazo
delimitado para a campanha, monitoramento e divulgação do progresso
dessa campanha, e estratégias de publicidade calculadas militarmente.
Nos tempos atuais, esses métodos soam familiares, mas quando Ward foi a Londres em 1912, eles eram novidade.
O
jornal The Times se impressionou com "seu conhecimento da natureza
humana e sua perspicaz aplicação de princípios de negócios para
assegurar vantagens num momento psicológico".
A Primeira Guerra Mundial trouxe mais inovações:
loterias e dias da bandeira, que se assemelham às atuais pulseiras,
broches e adesivos que demonstram que você doou algum dinheiro.
Em
1924, Ward tinha uma empresa de levantamento de fundos e divulgava o
quanto havia conseguido em doações para todo tipo de setor, de
escoteiros a templos maçons.
Para os herdeiros modernos de Charles Summer Ward, o que conta como "aplicação perspicaz de princípios de negócios"?
Podemos
obter pistas de executivos de marketing entrevistados pelo jornal
britânico The Guardian. Imagens de crianças com fome não alcançam tantas
curtidas nas redes sociais, dizem. Em vez disso, invista em construir
uma marca, em engajamento e entretenimento.
O que nos motiva doar?
Economistas
também têm pesquisado o que motiva alguém fazer uma doação. A teoria da
"sinalização de altruísmo" diz que doamos para impressionar outras
pessoas.
Isso pode ajudar a explicar a popularidade de pulseiras,
broches e adesivos — eles mostram ao mundo não apenas as causas que
importam para nós, mas também a nossa generosidade.
Há também uma teoria que diz que doamos para nos sentir bem ou menos culpados.
Mas
investigações empíricas dessas ideias produziram resultados
decepcionantes. O economista John List e seus colegas mandaram pessoas
baterem nas portas de casas. Alguns pediram doação, outros venderam
bilhetes de loteria para a mesma causa nobre.
Os bilhetes de loteria renderam mais, o que não
surpreendeu. Mas os pesquisadores também descobriram que mulheres jovens
e atraentes pedindo doações obtinham resultados tão bons quanto os dos
que venderam bilhetes de loteria.
O estudo destaca que esse desempenho se deu principalmente quando homens atenderam as campainhas.
Esse
resultado reforça a teoria da "sinalização de altruísmo" — neste caso
fica claro quem os homens que doaram queriam impressionar ao concordar
com a contribuição.
Outro economista, James Andreoni, estudou a
teoria segundo a qual doamos para nos sentir bem. Ele perguntou o que
aconteceu com doações particulares após uma instituição começar a ganhar
subsídios do governo.
A tese dele era a de que, se os doadores
davam dinheiro puramente pelo desejo altruísta de garantir o
funcionamento da instituição de caridade, então as doações seriam
desviadas para outras causas nobres quando o subsídio entrasse em vigor.
Mas isso não aconteceu, o que sugere, segundo Andreoni, que as doações não eram puramente altruísticas.
Agora,
se as instituições estão vendendo a possibilidade de o doador se sentir
bem consigo mesmo, isso não daria a elas grandes incentivos para, de
fato, fazer algo de útil. Elas só precisariam saber vender uma boa
história.
Efetividade
Algumas
pessoas, ao decidir sobre fazer ou não uma doação, obviamente levam
muito a sério a eficácia e o bem que as instituições de caridade fazem.
Há movimentos que advogam pelo "altruísmo efetivo", como o GiveWell (Doe
Bem, em português), que estuda a eficácia de instituições de caridade e
recomenda as que aparentemente merecem nosso dinheiro.
Os economistas Dean Karlan e Daniel Wood estudaram se a comprovação de eficácia, de fato, aumenta a angariação de fundos.
Eles
enviaram a doadores de uma instituição uma correspondência com a
história emocionante de uma beneficiária chamada Sebastiana. "Ela não
conheceu nada além de pobreza abjeta durante toda a vida", dizia o
panfleto.
Outros doadores receberam a mesma história com um
parágrafo adicional dizendo que "rigorosos métodos científicos"
confirmaram o impacto da instituição.
O resultado? Algumas
pessoas que antes contribuíram com grandes doações pareceram
impressionadas e doaram quantias ainda maiores. Mas a soma total não foi
maior, porque pequenos doadores deram menos dinheiro.
O mero
fato de mencionar ciência parece ter atenuado o apelo emocional,
afetando o efeito potencial de doar para "se sentir bem consigo mesmo"
ou "menos culpado".
Isso pode explicar o motivo do GiveWell não
testar grandes instituições de caridade como Oxfam, Save the Children e
World Vision.
O autor desse texto escreve para a colunaEconomista Disfarçado, do jornal britânico Financial Times. O programa 50 That Made the Modern Economyé transmitido pelo serviço mundial da BBC.
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