Estudos preliminares feitos por um grupo de 11 pesquisadores
brasileiros, coordenado pela professora do Departamento de Química
Inorgânica da Universidade Federal Fluminense (UFF), Célia Machado
Ronconi, poderão resultar, no futuro, em uma ferramenta efetiva para a
destruição de células cancerígenas.
Os estudos in vitro (em laboratório) utilizaram células de
câncer de mama de uma mulher de 69 anos, em parceria com o Instituto
Nacional do Câncer José de Alencar Gomes da Silva (Inca). A linha de
pesquisa foi o desenvolvimento de sistema de transporte de fármacos,
utilizando a doxorrubicina, um fármaco tóxico usado para vários tipos de
câncer. “A gente sabe que os fármacos de câncer não são seletivos. Eles
atacam tanto a célula tumoral quanto a sadia”, disse Célia Ronconi.
A ideia do grupo foi desenvolver um mecanismo em que o fármaco só
fosse liberado na presença da célula tumoral, “para ver se o protótipo
ia funcionar”. Foi desenvolvida então uma espécie de reservatório em
escala nanométrica, no qual foi colocado o fármaco (doxorrubicina). “Aí,
a gente tampa esse reservatório como se fosse uma válvula mesmo”,
explicou Célia. Os pesquisadores usaram um composto grande para cobrir
totalmente a superfície do reservatório.
PH ácido
Célia Ronconi informou que o fármaco não vaza. Ele fica preso dentro
do reservatório. Quando ele encontra um PH mais ácido – como o das
células de câncer, que varia entre 4.5 e 5.5, a tampa do
nanorreservatório é liberada. “Na superfície desse material, nós
colocamos grupos que reagissem a esse PH mais ácido, de maneira que a
tampa se soltasse”. Em uma linguagem mais simples, isso quer dizer que a
tampa só abre quando o meio está ácido, ou seja, quando ele chega à
célula tumoral.
Os ensaios in vitro, em que os pesquisadores cresceram as
células isoladas de câncer, resultaram em estudos de viabilidade
celular, para ver o quanto esse dispositivo, carregado com o fármaco,
seria tóxico para essas células. “Deu um resultado bem surpreendente. A
gente conseguiu redução de 92% na viabilidade celular. Ou seja, ele
matou 92% das células de câncer de mama”. Célia Ronconi chamou a atenção
para o fato de que o fármaco usado puro, na mesma concentração, matou
só 70% dessas células. “O nosso sistema foi mais tóxico, carregado com o
fármaco”. Puro, o fármaco apresentou baixa toxicidade. Os pesquisadores
pretendem investigar porque o efeito é maior do fármaco no
nanorreservatório do que o fármaco puro.
Ensaios in vivo
A próxima etapa da pesquisa deverá ser iniciada em 2020 e envolve não só ensaios com células sadias, mas também in vivo,
isto é, com animais, usando camundongos imunodeficientes. Há ideia
também de fazer ensaios com outros tipos de câncer. Célia afirmou que o
resultado obtido até agora é muito promissor e anima os pesquisadores a
seguir adiante com os estudos. Somente após a realização de todos os
estudos, se poderá afirmar que o nanorreservatório poderá ser utilizado
no tratamento de pacientes com câncer. “Ainda falta muita coisa para ser
feita. Tem um protocolo a ser seguido”, lembrou. “Mas os resultados
foram muito promissores”.
Na avaliação da coordenadora da pesquisa, a importância maior do
nanorreservatório anticâncer é diminuir os efeitos que a droga causa,
porque a droga não é seletiva. Ela vai tanto para as células sadias,
quanto para as células de câncer. “A nossa ideia é fazer com que o
reservatório só vá liberar o fármaco quando encontrar a célula de
câncer. Eu projetei o reservatório só para abrir com PH ácido, que é o
PH da célula de câncer”.
Tumores localizados
A pesquisa trabalha com a perspectiva de o nanorreservatório poder
ser injetado no corpo humano para atuar em tumores mais localizados,
onde liberaria seu conteúdo, que é o fármaco. Célia admitiu que isso
pode ocorrer, “em princípio”. Mas insistiu que essa possibilidade ainda
não foi estudada a fundo. “Haveria essa possibilidade. Mas não estudei
isso ainda”.
A pesquisa levou aproximadamente dois anos e foi parte do trabalho de
doutorado de Evelyn Santos, aluna da UFF. Um artigo sobre os resultados
dos ensaios in vitro foi publicado pelo grupo pesquisadores na última semana, na revista britânica Journal of Materials Chemistry B, da
Royal Society of Chemistry, sociedade fundada em 1848. O grupo reúne
pesquisadores da UFF, do Inca e do Centro Brasileiro de Pesquisas
Físicas (CBPF). O estudo recebeu investimentos da Fundação Carlos Chagas
Filho de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj).
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