sábado, 2 de maio de 2020

Estamos navegando no escuro


Volto a escrever sobre a Covid-19, em meio a pandemia política que devasta o Brasil e torna o combate ao vírus uma terra de desordem. O colapso já engoliu Manaus, Belém, Rio, está batendo as portas de Fortaleza e Recife e ameaça São Paulo e São Luís, por enquanto.
O enfrentamento à pandemia era um desastre anunciado, pelo modelo diferente de todos os países do mundo a começar pelas divergências de propostas entre o Presidente e seus Ministros. Essa dicotomia trouxe uma péssima sinalização à população e gerou uma profunda cisão, em um país que deveria caminhar em uma única direção. Os erros na condução do enfrentamento podem ser resumidos em uma frase simbólica, crua, do novo Ministro da Saúde: estamos navegando no escuro.

Entre os erros podemos citar:
1-a falta de clareza e decisões concretas, a começar pela desinformação a respeito do número de vítimas e mortos, em intensa sub-notificação, ou ausência de confirmação. A população não sabe claramente a preparação, as medidas, o tamanho e a evolução real da doença.
2-a decisão por fazer exames como forma de enfrentamento a doença foi tardia, muito tardia, e mesmo agora ainda não foi implantada de forma plena. Não foi preparada a rede diagnóstica, o sistema de transporte, os necrotérios dos hospitais de referência e o sistema funerário.
3-essa falta de exames expõe a vida de profissionais de saúde, amplia o contágio, e não dá instrumentos seguros para ampliação ou redução do isolamento social.
4-a politização do tratamento foi vergonhoso e prejudicial, com torcedores por drogas- estimulados pelo presidente-, sem comprovação, sem evidência científica definitiva. Assim como, a politização entre governadores, líderes do Congresso, e o presidente, que provocou tsunami no próprio governo com o afastamento de Moro, e as manifestações pelo fechamento do STF.
5-a nociva e equivocada informação que ela atingiria apenas idosos, portadores de comorbidades, que era uma "gripezinha", o que não é real, trazendo uma falsa sensação de segurança e indiferença para muitos .
6-a falta de empatia do presidente- líder maior- com as vítimas salientadas em frases em que perguntava se era coveiro, a famosa E dai?, ou que era Messias, mas não fazia milagres. Faltou, também, inspirar, estimular, reconhecer profissionais envolvidos, ser o fator que os faria ir avante, ser agregador. Faltou discurso.
7- a criação da dicotomia de saúde versus economia, como se uma opção apenas pudesse ser feita e cada uma delas fosse variável independente, foi extremamente prejudicial, quando se deveria buscar o melhor equilíbrio entre elas. Mesmo as corretas medidas econômicas ficaram relegadas pelo debate politizado sobre o isolamento social e cloroquina.
O potencial destrutivo - econômico, físico, emocional- da pandemia deveria ter gerado entre o presidente, os líderes do Congresso, o STF, PGR, imprensa, governadores, um grande acordo de colaboração, um hiato, que concentrasse todas as forças operando em uma só direção: a salvação de vidas, sem desprezo ou conformismo por nenhuma delas, e a melhor preservação possível da economia. Faltou estatura, capacidade de liderança, respeito ao cidadão, ordenação administrativa e valorização da ciência. Não há inocentes diante das dores, nem dessas mortes. São todos culpados.

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