O velho Luiz Lobo
Eu e Lú Bahia éramos crianças, e Pipiu nos pagava para pegar
tanajuras para depois solta-las sobre o chapéu do pobre velho. Uma das
brincadeiras favoritas de Pipiu era amarrar os cadarços dos sapatos do velho,
enquanto ele cochilava numa espreguiçadeira na varanda. Ou então, incendiar o
jornal enquanto ele lia.
Uma certa manhã, ele me chamou para ajuda-lo numa
brincadeira. O velho tinha saído a cavalo, bem cedo, para olhar um gado,
verificar o andamento de alguns trabalhos no campo, essas coisas da roça. D.
Glorinha, dona da casa, tinha deixado para ele, café, leite, bolachas e pão,
sobre a mesa, pois ele se atrasou e todos já tinham tomado café. Com um prego, eu
furava as bolhas das bolachas e Pipiu colocava dentro uma pitada de sal e um
pedacinho de pimenta malagueta. Depois, trocou o açúcar do açucareiro por sal.
Quando o velho chegou, faminto, jogou logo umas três bolachinhas na boca e saiu
“cuspindo fogo”. Pensando em “aliviar” o ardor, pegou uma xícara de café com
leite, botou o “açúcar”, mexeu com uma colher e bebeu. Foi pior a emenda.
Ele fumava, mas jamais pedia um cigarro a Pipiu, porque
sabia que viria com uma bomba dentro. Ele tinha passado um dia todo sem fumar
e, à noite, antes de ir dormir (ele dormia num quarto, no terreiro, todo
envidraçado), ele não resistiu e pediu um cigarro. Pipiu, que tinha passado o
dia inteiro com um maço especialmente preparado, deixou que ele mesmo
escolhesse o cigarro. Luiz acendeu, e a gente ficou nas frestas das janelas,
observando aquela “brasinha” passando pra lá e pra cá, na escuridão. De
repente, um clarão e um estouro, seguidos de palavrões impublicáveis.
Ele tinha plena confiança em Ada, esposa de Pipiu e sua
comadre. Mas essa confiança foi abalada um dia, quando ela participou de uma
“pegadinha”. Pipiu arranjou um couro de bode, fedendo como o diabo, e forrou
com ele o colchão da cama de Luiz Lobo, cobrindo depois com um lençol e uma
colcha. Ele passou horas procurando pelo quarto, achando que algum gato tinha
feito cocô no quarto. Quando ele descobriu, foi uma zorra.
Ada disse que ia resolver o problema, só que ela tirou o
couro mas, embolou junto com o lençol e jogou debaixo da cama. O quarto
continuou fedendo.
Mas Luiz Lobo era espirituoso e tinha também seus momentos
de brincadeira e gozação. Certa vez, o coronel Carlito Bahia comprou um cavalo
e levou para a fazenda. Experiente, assim que viu o animal, Luiz Lobo percebeu
que o cavalo era mais velho do que aparentava e que tinham conseguido enganar o
coronel, vendendo gato por lebre. Como bom repentista que era, saiu com estes
versos:
Satanás, reis, engenheiro
Senhor de grande ciência
Mas faltou sua experiência
Pros anos desse sendeiro
Pois este foi o primeiro
Que ao capim deu abalo
Satanás
para amansa-lo
Grande trabalho lhe deu
Pois que quando Adão nasceu
Já vivia este cavalo.
NE: Publicado no livro A Levada da Égua e outras histórias (2004)
Nenhum comentário:
Postar um comentário