O carnaval aqui era pouco significativo e o feirense, trabalhador e criativo por natureza, resolveu ter a sua própria festa momesca. A Micareta extrapolou as expectativas e passou a ser um modelo admirado e copiado por muitas outras cidades brasileiras e até além-fronteiras. Um pouco da história dos 88 anos dessa folia autenticamente nossa.
"Colombina eu te amei, mas você não quis...", "o velho gagá já deu o que tinha...", ou "passe na Lapa chofer..." — as inesquecíveis marchas do carnaval carioca ecoavam nas Praças da Bandeira e João Pedreira — centro da cidade —, onde se concentrava a multidão oriunda de todas as partes. O trio elétrico original (dois violões e um cavaquinho), sem a presença de cantor, tocando "Vassourinha" e outros frevos do carnaval pernambucano, animava ainda mais a festa, provida de blocos de índio, batuques, blocos formados por amigos e escolas de samba que garantiam à Micareta de rua algo apoteótico. Era um cenário mágico, com as fantasias, confetes, serpentinas e o perfume inebriante do lança-perfume, simplesmente usado para perfumar o ar.
A Micareta de Feira de Santana, até por volta da década de 1960, ainda guardava muito da sua originalidade (1937), quando a população da cidade era infinitamente menor e a festa levava às ruas muitas famílias sem as preocupações atuais da violência exacerbada. O Feira Tênis Clube, surgido em 1944, demandou na retirada de parte de foliões da rua, o que também fez o Clube de Campo Cajueiro, a partir de 1962. Todavia, a presença nessas agremiações era mais restrita à sociedade ou àqueles que tinham poder aquisitivo alto. A grande massa de foliões estava mesmo nas ruas, com o reforço daqueles que, embora mais bem aquinhoados financeiramente, sentiam-se bem entre o povão.
Sem levar em conta o entrudo e o carnaval — eventos que precederam à Micareta, oficialmente nascida em 1937, embora antes disso já houvesse um evento similar na Rua da Aurora, "promovido pelos rapazes da Família Fadigas", como garantia Manuel de Emília (Manuel Fausto dos Santos), um dos fundadores da festa —, o reinado de Momo na Cidade Princesa já experimentou diferentes fases até a sua consolidação como o chamado "carnaval de abril que sacode o Brasil".
No início, a Cruz Vermelha de Salvador vinha a esta cidade, associando-se às agremiações locais: Amantes do Sol, Flor do Carnaval e As Melindrosas, no desfile que atraía a população. Está na história que a primeira festa foi realizada por uma comissão formada por Manuel da Costa Ferreira, Gumercindo Almeida, Arlindo Ferreira, Manuel Fausto dos Santos, Manuel Narciso da Natividade, Rosalvo França, Lindauro Lima, João Matos, Álvaro Moura e Adalberto Sampaio. Embora não integrando o grupo de forma direta, o professor Antônio Garcia, redator do jornal Folha do Norte, foi importante na divulgação do evento.
Na festa de 1938, o clube A Flor do Carnaval desfilou homenageando a heroína feirense Maria Quitéria. No ano seguinte (1939), a festa foi acrescida com o surgimento de novos grupos que foram: Bambas Feirenses, Lira 25 de Abril, Garotas em Folia, Cadetes do Amor e Os Batutas. Em 1941, devido à II Guerra Mundial, não houve a festa de rua, limitando-se a bailes na Sociedade Filarmônica 25 de Março. Em 1942, uma festa tímida nas ruas, e em 1943 apenas bailes na Sociedade Filarmônica 25 de Março. Em 1944, apenas bailes na mesma agremiação. Em 1945, uma tentativa fria de retorno do festejo de rua.
A "Micareta da Vitória" em 1946, comemorando o final da II Guerra Mundial e a vitória das forças aliadas, das quais fez parte o Brasil através da Força Expedicionária Brasileira (FEB) contra o nazi-fascismo, foi expressiva nos clubes — Filarmônicas 25 de Março, Vitória e Euterpe Feirense —, mas não alcançou o sucesso esperado nas ruas. Em 1948, a festa deu um salto, obtendo o êxito esperado. Em 1952, o festejo entrou no ritmo de sucesso que seria a sua marca definitiva. A partir daí, o surgimento de escolas de samba como Escravos do Oriente, Malandros do Morro, Embaixada Feirense, Império Feirense e o Cordão Ali Babá e os 40 Ladrões notabilizou a festa de rua, gerando concursos anuais para a escolha dos melhores.
Em 1962, comemorando 25 anos da festa (Jubileu de Prata), houve o retorno do concurso Rainha da Micareta e a vinda de fantasias premiadas no Rio de Janeiro, nos concursos do Copacabana Palace, Monte Líbano e Clube Municipal. Em 1964, devido à revolução, com o governo militar passando a comandar os destinos do país, não houve a festa, que voltou com animação em 1965. Vale lembrar que, durante muito tempo, o rei Momo, que era Ferreirinha, vinha de Salvador.
Em 1938, a primeira Rainha da Micareta foi Maria Zilda Carvalho, escolhida durante baile na Sociedade Filarmônica 25 de Março. Esse critério foi substituído anos depois pelo sistema de eleição. Do mesmo modo, a festa era realizada por uma comissão. Em 1939, essa comissão foi formada por Antônio Azevedo (presidente), Hermógenes Santana (vice), Alfredo Rodrigues (tesoureiro) e Álvaro Barbosa (secretário), contando ainda com: Áureo Filho, Oscar Erudilho, Gilberto Falcão, Iderval Alves, Antônio Moura Carneiro, João Domingues Gonçalves-Dote, Álvaro Santos Rubens, Florisvaldo Albuquerque, Dalvaro Silva, Antônio Garcia, Bráulio Flores e Alexandre Falcão. Em 1968, no governo João Durval Carneiro (1967/1971), a Micareta, até então realizada por uma comissão de cidadãos da cidade, foi oficializada, passando a se constituir em um evento de responsabilidade do governo municipal.
Por Zadir Marques Porto
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