O cavalo de pau na minha adolescência era algo sério, pois, lá na roça, um indivíduo sem um animal para montar era um pobre diabo excluído da exploração do imaginário, das cavalgadas para batalhas perigosas e de alcançar o pé de jaca e matar a fome. A vida tinha ponto de corte: antes e depois de ter um cavalo que pudesse chamar de seu, afinal, era a iniciação sobre inclusão e posse.
Não eram cavalos como os atuais, feitos em plástico e com
cabeça de pelúcia que cavaleiro que era cavaleiro não temia queda nem joelho
ralado, mesmo nas competições na ladeira, quando íamos ao açude dar de beber
aos sedentos bichos.
Cada um construía o seu. Alguns com rodinhas, feitas com
restos de sandália havaiana, vistos com desconfiança pela turma raiz, que
cavalo que não deixava rastro era coisa de fracote. O segredo era escolher a
madeira que usaria facilitando o trabalho. Havia os de madeira reusada que
denunciava animal envelhecido incapaz de tomar dianteira, de fazer bonito
diante das meninas que ficavam nos espiando. A maioria era de uma árvore
chamada assa-peixe, que dava exemplares bom de trote. Ela tinha o centro poroso
que permitia a perfuração fácil para colocar a rédea. De cordão, as mais
simples; as elaboradas, com corda de sisal e customizadas com outros fios,
porque, na vida, não basta cavalgar, mas cavalgar bonito.
Ninguém montava animal do outro sem permissão, o que podia
gerar briga e, em caso extremo de possessividade tóxica, como diriam hoje, os
aloprados, um canivete e sangue na camisa. Por dentro, me sentia incluído e
igual a todos- diferente de hoje em que o sonho de cada um é ser único. A
felicidade, por vezes, lhes digo, é só uma nuvem de poeira.
Até que um dia apareceu por lá um menino mais velho,
Crisanto, com um cavalo de camboatá( cambotá, nós chamávamos), vistoso, roubou
toda atenção das meninas e nos deixou invejosos e irados com a rejeição e
perda. Era hora de aprender a perder e aguentar firme. E, não foi sem razão,
afinal, o cavalo dele era o único que empinava.
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