sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Plantão Médico



Na minha profissão plantão é uma chatice. A gente fica ali, esperando que alguma coisa interessante aconteça e, geralmente, não acontece nada. Mas, a gente não pode abandonar o posto, não pode dar uma escapadinha porque é justamente aí que um disco voador desce na praça principal da cidade e você não fica sabendo, não fotografa, não entrevista o ET. E aí é demissão na certa.
Mas, plantão médico é diferente. Não tem como não acontecer alguma coisa. Quem duvidar que vá para as portas das emergências dos hospitais, nos domingos e feriados, a partir das 15 horas, pra ver a bagaceira que é. A mistura de álcool com direção produz tragédias ou situações cômicas inacreditáveis.
Eu já contei aqui a estória de um médico amigo meu que, estressado no plantão e aborrecido com a falta de cuidados de motoristas e motociclistas, recebeu um rapaz vítima de acidente de moto. Mais aborrecido ainda ele ficou quando soube que o rapaz, embora tivesse capacete, em vez de colocá-lo na cabeça, o trazia pendurado no cotovelo. Embora cansado e estressado, fez o que pode pelo rapaz. À saída da sala de cirurgia, lhe acorre a mãe da vítima, aflita, querendo saber como estava o seu filho. “O cotovelo dele tá joinha, mas a cabeça tá uma merda”, respondeu curto e grosso.
Tem também a estória de outro médico que recebeu uma suspensão do diretor do hospital em que trabalhava. Quando um colega lhe perguntou sobre o motivo da suspensão, ele explicou: “Imagine você que eu fiz uma cirurgia em um paciente, cirurgia esta que durou seis horas. Quando terminei já era noite fechada. Eu entreguei a enfermeira um comprimido com a recomendação de que, se o paciente sofresse alguma crise, desse o comprimido e me chamasse imediatamente. Altas horas da noite ele ligou. Chovia muito e, logo na saída, o carro furou um pneu. Troquei e fiquei todo molhado. Quando cheguei ao hospital não encontrei o paciente. Fiquei ali parado, pensando no que teria acontecido, sem ninguém para me dar uma informação. Foi quando a enfermeira entrou no quarto, sorridente, e me falou: - Doutor, o paciente morreu. O que é que eu faço com esse comprimido”? Foi a resposta dele o motivo da suspensão.
Esse mesmo médico, anos mais tarde, estava de plantão num hospital estadual, e, passada mais de uma hora, o colega não havia chegado para substituí-lo. Cansado, disse à enfermeira que não atenderia mais ninguém e que avisasse aos pacientes que esperassem a chegada do outro médico. A enfermeira foi e voltou dizendo a ele que havia um paciente, portando um cartão de um deputado, e dizendo que, caso não fosse atendido, o médico iria perder “aquele empreguinho de merda”.
Ele mandou o sujeito entrar e pediu que ele repetisse o que tinha dito á enfermeira. O sujeito repetiu e ele disse: “Esse empreguinho de merda eu obtive a 30 anos, passando em primeiro lugar num concurso do Estado. Mas, vamos fazer assim. Você enrola esse cartão do deputado, enfia no fio-o-fó, e daqui a uma semana você me traz para ver como é que você está”.
Já outro médico, daqueles à moda antiga, que se preocupa mesmo com os seus pacientes, estava no plantão quando chegaram dezenas de feridos de um acidente automotivo. E o pior, ele estava sozinho e já era noite. Ele mandou acomodar os feridos nas macas e começou o trabalho. Corta daqui, costura dali. Remenda acolá, parecia até um alfaiate. As horas foram passando e ele lá, coitado, trabalhando.
Quando ele deu o trabalho por encerrado, o dia já amanhecia e ele resolveu ir para casa. Não agüentava mais. Apenas o senso da responsabilidade e o cafezinho o mantinham de pé e acordado. Foi quando notou uma poça de sangue sob uma maca. Quando ele olhou nas costas do paciente, há cerca de um dedo do reto, havia outro furo, provocado certamente por alguma ferragem.
Chamou a enfermeira e mandou que trouxesse o necessário para fazer o curativo. Limpou o ferimento, colocou medicamento, costurou e cobriu com gaze e esparadrapo. Chegou em casa quase dormindo em pé. Quando se jogou na cama, assomou-se uma dúvida cruel: “Será que tapei o buraco certo”?
Não conseguiu dormir. O jeito foi voltar ao hospital para constatar que tudo estava bem com o paciente.

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