quarta-feira, 25 de julho de 2012

O dia em que eu matei Joana
Uma odisséia dos tempos modernos


Tal qual Ulisses eu era um aventureiro. Divertia-me junto aos meus amigos e amigas, travando minhas batalhas em terras estrangeiras ou dentro de mim mesmo. Enquanto isso, minha linda Penélope me aguardava em casa, ansiosa pela minha volta. Ela sabia que eu sempre voltava. E por isso não dava chance aos oportunistas que a assediavam. As aventuras davam ânimo à minha vida, me livravam do tédio, me davam prazer. Mas, não mais do que Penélope poderia me dar.
E assim o tempo foi passando e, sem que eu percebesse, Penélope foi mudando, ficou doente, e passou a ser irritadiça e hostil. Já não era tão alegre e feliz quanto antes, e transformara a vida no lar num verdadeiro inferno de conflitos. Eu senti o golpe. Passei a me dedicar a ajudá-la a se curar. Mas ela não queria ajuda. No auge da sua loucura ela queira obrigar a todos agirem como ela. Só ela conhecia a verdade das coisas, só ela sabia como fazer qualquer coisa, e tudo tinha que ser feito ao modo dela. O menor gesto fora do padrão por ela estabelecido era motivo para um novo conflito.
Busquei ajuda com amigos médicos, religiosos, usei meizinhas e orações, métodos científicos ou não, tudo era válido para curar minha amada Penélope, mas nada surtia efeito. Desgostoso, me afundei mais ainda nas aventuras. E um belo dia, navegando por um daqueles mares nunca dantes navegados, conheci uma linda feiticeira. Joana era como Circe, a feiticeira da mitologia grega que transformava os homens em animais que a obedeciam cegamente.
Nos tempos modernos, Circe é inimiga da Mulher Maravilha. Aliás, ela é inimiga de todas as mulheres, as quais ela quer tornar tão infelizes quanto ela. Joana era assim, embora eu não tenha reconhecido isso logo de início. E tal qual Ulisses, fui envolvido e passei a amá-la, submetendo-me às suas vontades e desejando apenas vê-la feliz. Isso amenizava o sofrimento da minha vida com Penélope.
Diz-se que um ser apaixonado perde toda noção da realidade. Fica cego, surdo e mudo. Só vê, só ouve e só fala o que lhe convém. Ali estava eu, totalmente envolvido e dominado pelo feitiço do amor. Afastado do meu lar, dos meus familiares, dos meus amigos, da minha vida. Só tinha olhos para Joana.
Mas um dia, Joana por alguns momentos perdeu o controle sobre mim e eu pude ver seu verdadeiro rosto. Levei um tremendo susto. Mas, nem por isso, acordei. Achava que com meu amor poderia curá-la e fazer dela o ser bonito que ela aparentava ser.
Uma coisa curiosa aconteceu então. A partir daquele dia, sempre que voltava ao meu lar, notava que Penélope melhorava a olhos vistos e estava novamente me amando como nos tempos em que vivíamos felizes. Mas, parecia ser tarde demais. Embora reconhecendo a sua melhora e o seu amor, ainda assim, eu a rejeitava.
Disse a ela então que iria embora de uma vez, para não mais voltar. Ela caiu em prantos e me deu a maior prova de amor que uma mulher pode dar a um homem. Disse-me que mesmo que eu tivesse outra mulher, ainda assim ela me queria. Que seria melhor me ter pela metade do que me perder por inteiro. Eu não acreditei na sinceridade das suas palavras, mas resolvi dar uma chance para que ela me demonstrasse, na prática, o que me dizia.
Quando Joana soube do ocorrido, ficou furiosa. Percebeu que estava perdendo o poder sobre mim e mudou completamente. Brigamos pela primeira vez e muitas outras vezes depois. Mas eu ainda estava apaixonado e ainda queria vê-la feliz. Mas na sua fúria, ela se mostrou mais uma vez como ela verdadeiramente era. E eu, horrorizado, me perguntava como poderia ter amado semelhante ser.
Quando percebi o quanto estava perto de um abismo, recorri a um trunfo que carrego comigo como arma e amuleto, presente de Deus do qual nunca me separei. Soltei a Besta Fera. Ela me sacudiu, me fez acordar do sonho ilusório, do feitiço do amor, e partiu para cima de Joana fazendo-a em pedaços.
Estes pedaços eu cremei em fogueira sagrada e ofertei a fumaça aos céus que me protegem. Naquele dia eu matei Joana e joguei suas lembranças na fumaça do desprezo e do esquecimento.
Sou um homem livre e feliz outra vez, vivendo ao lado da minha Penélope. (15.08.2011)

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