Um
prato bem servido de macarrão chega esfumaçando à mesa e enche os olhos ao ser
coberto por uma generosa porção de molho de tomates frescos com frutos do mar.
Mas quem experimenta a iguaria busca o sabor e a sensação de um ingrediente
incomum: a maconha.
Em abril de 2017, Gustavo Colombeck, de 27 anos,
deixou Vitória, no Espírito Santo, para se dedicar à culinária canábica no
Uruguai, onde o consumo da erva é permitido. Nos primeiros meses, trabalhou em
um hostel em troca de um lugar para dormir e uma ajuda de custo. Mas logo o
jovem, que cursou gastronomia na terra natal, percebeu que poderia usar seu
conhecimento sobre a maconha para ganhar dinheiro.
"Vi que as pessoas vendiam muitos cookies e
brownies com maconha. Eu já tinha testado algumas receitas canábicas e resolvi
fazer o mesmo com alfajores, que é o doce mais consumido no Uruguai. Montei uma
barraca numa feira e logo no primeiro dia vendi os 30 que fiz", conta ele
à BBC Brasil em São Paulo.
Menos de um ano depois, o jovem se tornou uma
referência na culinária canábica. Ele conta que sua agenda já está cheia até
novembro e que já recebeu propostas para trabalhar em restaurantes na Europa.
Mas Colombeck quer ficar no Uruguai mais um ano e depois se mudar para a
Califórnia (EUA), hoje o maior mercado de maconha do mundo.
Ele diz ter identificado cerca 20 grandes chefs
especializados em cannabis em todo o mundo - a maior parte nos Estados Unidos.
Uma delas é Millie Fernandez, conhecida por cozinhar para os rappers Snoop Dogg
e Tyga.
Segundo o chef canábico brasileiro, o músico
Marcelo D2 já comeu um de seus pratos no Uruguai.
'Não é só
ficar chapado'

Ele afirma que fez muitos testes, inclusive em
laboratório, além de estudos incansáveis à beira do fogão para saber o momento
ideal para acrescentar maconha em cada um de seus pratos. A intenção é causar
efeito um psicoativo semelhante ao de fumar ou vaporizar a erva e, mas também
ter o controle de sua dosagem.
Para manter o sabor das flores da maconha em suas
receitas e ainda "dar um barato", o chef usa azeite ou manteiga à
base de cannabis durante o cozimento. Isso porque o THC (tetrahidrocanabinol -
princípio ativo da maconha) é ativado após as flores da erva serem infusionadas
em algum óleo ou gordura numa reação chamada de descarboxilação.
Mas Colombeck explica que também é possível ativar
o THC ao infusionar a erva diretamente durante o preparo de carnes com gordura,
alguns peixes e receitas com leite, como o escondidinho.
"É necessário muito estudo para saber a hora
certa de aplicar a maconha em cada receita. Se você colocar na hora errada,
pode ficar muito fraco, perder o sabor ou te derrubar com uma brisa muito
forte. A intenção não é só ficar chapado, mas sentir o sabor da genética
(variedade de maconha) usada, da entrada à sobremesa, com uma experiência
natural e leve", explica.
O cardápio canábico de Colombeck tem desde massas e
carnes a sorvetes e drinks. Tudo feito de acordo com o paladar e consumo de
maconha de cada cliente.
"As
pessoas têm receio de comer comida com maconha e passar mal. E estão certas. É
muito fácil errar a proporção e colocar muita erva. Para evitar isso, eu faço
uma entrevista antes do preparo de cada prato para saber qual a dosagem ideal
para cada pessoa. Se ela nunca fumou maconha, faço algo bem leve. Passo o dia
todo me preparando, porque cada jantar é personalizado", conta.
Da raiz à
semente
A folha da maconha é o principal símbolo usado para
representar a cannabis, mas não é a parte da planta com a maior concentração de
THC. Muitos não sabem, mas o que os usuários moem para fumar ou usar como
remédio são as flores - ou buds -, onde está a maior porção do princípio
ativo da erva.
Mas o chef reaproveita as folhas, sementes, talos e
até a raiz da planta em sua cozinha.
"É possível fazer leite, azeite e farinha com
as sementes depois de secá-las. Uso os talos para fazer parrilla de defumação
para colocar na brasa da churrasqueira e com as raízes eu faço um chá muito bom
para o estômago. As folhas são ótimas para decorar e fazer temperos
secos", afirma Colombeck.
Cada parte da planta precisa de um cuidado
específico antes de ser consumida. As raízes, por exemplo, ficam pelo menos uma
semana de molho na água para que o fertilizante usado no cultivo da planta seja
retirado. Há pessoas que ainda usam a erva para fazer óleo para massagem,
sabonete, lubrificante e até supositório contra cólica menstrual.
O chef alerta, porém, que pessoas que não conhecem
a procedência da maconha que consomem precisam redobrar os cuidados. No Brasil,
a maior parte da cannabis consumida é comercializada na forma prensada,
considerada de baixa qualidade. Ela é vendida em pedaços ou em blocos inteiros,
contrabandeada principalmente via Paraguai.
Nesses casos, o chef diz que é necessário que a
maconha seja lavada em água morna, secada e depois colocada num pote de vidro
para curar antes do uso culinário. Colombeck diz que essa técnica faz a planta
ficar mais limpa - pois algumas chegam a mofar por causa da umidade - e ajuda a
melhorar o sabor. Ele afirma que a lavagem não tira a potência psicoativa da
erva, já que o THC não se dissolve na água.
Ele
explica que 75 gramas de flores de maconha chegam a render cerca de 5 litros de
azeite canábico.
"Em breve, vou lançar um canal no YouTube para
ensinar todos esses passos. Quero mostrar que dá certo lavar o prensado para
tirar suas impurezas e fazer receitas. Não é porque a pessoa não tem acesso a
uma maconha de qualidade que ela vai deixar de cozinhar", afirma.
Para o chef, a legalização da maconha no Brasil é
uma questão de tempo e a culinária canábica, "mais uma frente de luta
nesse sentido".
"Imagine um pai poder colocar leite com
cannabis na mamadeira para aliviar as crises de eplepsia de seu filho? Ou fazer
um suco detox com maconha para tomar e relaxar depois de um exercício físico?
Em 2018 eu quero mostrar que isso é possível, de forma simples e segura",
afirma. Click no link e leia matéria completa no BBCBrasil
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