Eles são
tentadores, muito curiosos e quase irresistíveis. "Com qual celebridade
você se parece?" ou "Como você seria se fosse do gênero oposto?"
- são as perguntas que vêm junto com testes aparentemente inofensivos e que
acabam super compartilhados no Facebook.
No entanto, o
perigo deles está justamente nos dados que você concorda em ceder para que o
aplicativo te devolva o resultado.
"O principal
gatilho da rede social é o efeito de comunidade. Todo mundo começa a fazer o
teste, aí vem o efeito da curiosidade, do divertido, ele começa a
viralizar", pontuou Camila Porto, especialista em marketing digital e
Facebook Ads, em entrevista à BBC Brasil.
"Existem
várias empresas que usam os testes como ferramenta de coleta de dados de
pessoas que estão interessadas em determinada coisa. A partir do momento que eu
tenho pessoas que se interessam por esse tema, eu vendo essa base de
dados", explicou.
"Muitas vezes
essa ferramenta de coleta de dados pode não ser para uma coisa positiva. E há
um risco que as pessoas correm quando começam a liberar dados, fotos delas, sem
saber para quem esses dados estão indo e o que pode ser feito depois."
No caso do último
teste que viralizou no Facebook, para fazê-lo, o usuário concordava em dar
acesso a seu nome, foto de perfil, idade e data de nascimento, endereço de
e-mail e todas as suas fotos (as que ele próprio postou e as outras em que foi
marcado).
Informações como
essas são valiosas para empresas direcionarem melhor seus anúncios e obterem
mais resultados. Há algumas, inclusive, que vivem de vender dados para outras.
Testes como esses que viralizam no Facebook, em geral, têm a ver com alguma
ação desse tipo por parte delas - uma forma de engajar os usuários e, ao mesmo
tempo, conseguir acesso a dados deles, que autorizam isso muitas vezes sem ler
os chamados "termos de uso".
"Eu me lembro
de uma pesquisa em que veicularam um anúncio 'clique aqui pra infectar seu
computador' e teve gente que clicava. Então é importante ver até que ponto a
curiosidade faz o usuário tomar atitudes sem prever consequências",
acrescenta.
Para Tavares, isso
tudo faz parte do "amadurecimento do usuário". Assim como, no
passado, as pessoas clicavam para abrir quaisquer e-mails que recebiam - e,
muitas vezes, acabavam tendo o computador infectado por um vírus nessa simples
ação - e hoje já têm mais cuidado quanto a isso, no caso das redes sociais o
processo será o mesmo.
"Antigamente,
todo mundo saía comprando em qualquer site. Hoje, o usuário tem mais cautela,
pra não ter seu cartão clonado. O vírus em e-mails também, a maioria dos
usuários reconhece e não clica. No entanto, nas redes sociais, as pessoas ainda
não reconhecem esses 'golpes' que são aplicados explorando a curiosidade, as
relações humanas, para gerar engajamento. Esses dados são coletados para gerar
lucros pra quem coleta ou até para agências de inteligência em caso de
campanhas eleitorais, etc", explicou.
Como funciona a monetização do Facebook?
Reunindo mais de 2
bilhões de usuários ao redor do mundo, o Facebook possibilita às empresas
fazerem anúncios na plataforma oferecendo a elas um público mais segmentado e a
um custo relativamente baixo, conforme explica a especialista Camila Porto.
"A chegada
das redes sociais foi, em primeiro lugar, uma oportunidade dos pequenos
negócios de falar com os clientes de forma gratuita ou com custo muito baixo.
Ele investe uma pequena quantia de dinheiro pra falar exatamente com as pessoas
que quer falar. Outro ponto é a capacidade de mensuração de resultado. Em
outros casos, você faz o investimento e não consegue ter uma métrica que te
diga quantas pessoas vieram pro seu negócio a partir dele. No Facebook é
possível fazer essa análise em tempo real", afirmou.
"O Facebook
te dá a possibilidade de falar com o mundo todo ou então com um público bem
segmentado, como por exemplo 'mulheres de 25 a 35 anos que estao a um
quilômetro do seu estabelecimento'."

Por
meio desses dados "preciosos" sobre os usuários, o Facebook tem
atraído cada vez mais empresas que patrocinam conteúdos na rede social. Segundo
dados oficiais de abril do ano passado, a plataforma já soma 5 milhões de
anunciantes publicitários.
"Tem uma
frase que diz: 'se você está usando um produto gratuito, o produto é você'.
Então a lógica é mais ou menos essa, você usa o Facebook de forma gratuita e,
de certa forma, você é o produto. As informações que ele coleta, ele fornece
para as empresas em forma de anúncios", diz Camila Porto.
O Facebook, por
sua vez, afirma que tudo o que faz é "para as pessoas" e que deixa
claro e público todos os dados que usa. Para uma empresa veicular um anúncio na
plataforma, ele precisa ser "bom para as pessoas, proporcionar boas
experiências e tem que ser seguro".
"A
privacidade das pessoas no Facebook é nossa prioridade. Qualquer aplicativo
compatível com o Facebook precisa seguir nossas políticas da plataforma, que
estabelecem uma série de regras para garantir que as pessoas tenham controle da
experiência", afirmou um porta-voz do Facebook em nota.
Legislação
e proteção
Quem fez o teste
do gênero oposto ainda pode "proteger" seus dados negando o acesso do
aplicativo a eles - mesmo que você já tenha dado essa autorização ao concordar
com os termos de uso, é possível voltar atrás.
Basta ir na seção
de "Aplicativos" nas configurações do Facebook e remover o acesso ao
"Kueez", que era o responsável pelo teste tão viralizado.
No entanto, essa
ainda é uma questão sinuosa, conforme explica o presidente da Safernet. Isso
porque, mesmo que você retire a autorização dos seus dados para a empresa, caso
ela venha a utilizá-los contra a sua vontade, ainda não há uma lei que o
proteja contra isso.
"No
Brasil, hoje a pessoa não tem mais controle sobre o que farão com seus dados,
nem há uma lei que a ampare. Na Europa, por exemplo, existem agências de
proteção de dados, tem penas e multas aplicadas. Quem usar dados sem
consentimento e sem seguir regras vai pagar multas altíssimas. E lá o usuário
vai ter a quem recorrer", explicou Thiago Tavares.
Segundo ele, há
três projetos de lei em tramitação no Congresso a respeito desse tema, mas que
estão parados. O especialista compara a importância dessa regulamentação ao
código de defesa do consumidor, que foi criado em 1990 para proteger o consumidor
de possíveis abusos cometidos por empresas.
"Precisamos
de uma lei geral de proteção de dados. Ela representaria hoje o que o código de
defesa do consumidor representou na década de 1990. É preciso proteger os dados
dos usuários das empresas de internet ou de qualquer empresa que colete
dados", reforçou.
Por enquanto, a
maior proteção para as pessoas nesses casos envolvendo as redes sociais é
"controlar a curiosidade".
"É preciso
resistir à tentação do primeiro clique, não aceitar fornecer dados para quem
você não conhece ou para quem você não tem certeza sobre a destinação que será
dada para esses dados", finalizou.(BBCBrasil)
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