Os mantos
tupinambás são resquícios exuberantes do povo que dominava a costa do Brasil há
500 anos. Há apenas seis exemplares preservados no mundo que ainda trazem quase
intactos os trançados de fibras naturais e penas vermelhas de guarás e azuis de
ararunas.
Mas, apesar de
eles terem sido confeccionados em território nacional, os brasileiros que
queiram conhecê-los terão de viajar ao exterior: todos os exemplares de mantos
tupinambás de que se tem notícia estão em acervos da Europa.
O mais
conhecido e conservado deles está no Nationalmuseet, em Copenhague, capital da
Dinamarca. O exemplar foi exposto no Brasil em 2000, nas comemorações dos 500
anos do descobrimento pelos portugueses.
Foi nessa
ocasião que povos que reivindicam ser herdeiros dos tupinambás, em especial os
Tupinambá de Olivença, na Bahia, passaram a requerer o retorno do manto. Desde
então, porém, apesar de contarem com o apoio de universidades e outras
organizações, não tiveram sucesso em reaver os objetos.
Segundo
pesquisadores, os exemplares que estão na Dinamarca, na França, na Itália, na
Bélgica, na Alemanha e na Suíça saíram do Brasil como consequência da invasão
holandesa no Nordeste. Com a expulsão dos holandeses de Pernambuco no século
17, os mantos acabaram sendo levados para a Europa - ainda que não se saiba
exatamente como chegaram aos museus onde estão hoje.
Por e-mail, o
Nationalmuseet disse à BBC Brasil que o item consta de registros do museu que
datam de 1689 e admitiu que não há "conhecimento sólido" sobre sua
procedência.
A instituição
afirmou que, por sua "longa tradição de diálogos positivos e trocas
globais", é uma prática recorrente o empréstimo de peças a museus do
exterior. O início de um processo de devolução, porém, depende de um pedido
oficial do país - o que, segundo o Nationalmuseet, nunca foi feito em relação
ao manto tupinambá.
Patrimônio nacional
Para além dos
mantos tupinambás, o Brasil abasteceu - e continua abastecendo - acervos
estrangeiros com peças arqueológicas, etnográficas e fósseis de dinossauros e
animais pré-históricos.
Mas, se no
passado, o colonialismo foi responsável pelas perdas, hoje o tráfico ilegal de
obras de arte e fósseis é o maior responsável pelo problema.
Atualmente, de
acordo com o Ministério das Relações Exteriores (MRE), o tráfico ilegal de
fósseis oriundos da região do Crato, na Bacia do Araripe (CE), é a principal
área de preocupação do Brasil em relação à evasão de patrimônios nacionais. Alguns
fósseis chegam a ser ofertados em sites especializados na internet. Uma lei de
1942 criminaliza a saída de fósseis do território nacional.
A pasta diz já
ter feito questionamentos formais sobre a procedência de alguns itens alocados
em museus internacionais, mas tais bens não foram encontrados.
O cenário de evasão de bens culturais como esses
fez com que a célula brasileira do Conselho Internacional dos Museus (ICOM) -
rede que reúne instituições do tipo em todo o mundo - passasse a desenvolver um
mapeamento do que está em risco no patrimônio cultural nacional. Esse dossiê,
batizado de Red List, faz um diagnostico dos tipos de bens mais vulneráveis -
gerando, por exemplo, cartilhas de orientações para agentes que trabalham nas
alfândegas por onde o patrimônio pode acabar escapando ilegalmente.
No caso do
Brasil, há pelo menos três tipos de bens que deverão estar na Red List
brasileira: itens arqueológicos, fósseis e peças do Barroco. É o que indica
Maria Ignez Mantovani Franco, presidente do Conselho de Administração do ICOM
no Brasil, que prevê que uma primeira versão do dossiê seja concluída ainda em
2018.
Apesar da situação, segundo o presidente do
Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), Marcelo Mattos Araujo, o Brasil não
acumula uma quantidade expressiva de reinvindicações oficiais de peças que
estão no exterior.
Tartaruga mais antiga do mundo e cobra de quatro patas
No que diz
respeito aos fósseis, porém, há iniciativas incipientes de repatriação.
Há quase seis anos, o governo brasileiro iniciou um
processo para repatriar seu primeiro fóssil. Trata-se de um exemplar da
tartaruga mais antiga do mundo, a Santanachelys gaffneyi, hoje em uma
universidade no Japão.
Atualmente,
esse é um dos quatro fósseis que a Procuradoria da República no Ceará tenta
recuperar por meio de cooperação com instâncias jurídicas do exterior. Os
outros três itens com processos em aberto estão na França, Alemanha e Itália.
"O
trabalho de repatriação está em curso", disse à BBC Brasil o procurador da
República Rafael Rayol. "Todo mês temos notícias de pessoas que
transportam, às vezes até como suvenir, fósseis do Araripe de forma irregular.
Há também uma rede internacional de tráfico, e a Europa é o maior mercado. Em geral,
os consumidores finais são colecionadores, mas vez ou outra esses itens chegam
também a universidades."
Segundo Renato
Pirani Ghilardi, presidente da Sociedade Brasileira de Paleontologia, é sabido
que existem pesquisadores que receptam fósseis no exterior - e estes acabam
muitas vezes figurando em estudos científicos prestigiados.
"Nos
últimos cinco anos, posso apontar várias espécies que foram encontradas no
Brasil, mas descritas lá fora", disse Ghilardi à BBC Brasil. "Nas
publicações, eles dizem que o material estudado estava perdido em alguma
coleção antiga, anterior a 1942 (quando foi implantada a legislação que
criminaliza a saída de fósseis). Não achamos que as ciências devam ter
fronteiras. Mas poderia ter uma regulação maior, com esse material voltando
depois de um tempo, por exemplo". Click no li nk e leia mais no BBCBrasil.
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