quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Os vendedores de óleo de peixe e o voto


Como sabem dois ou três que ouvem minhas lamúrias, incluindo Juracy Dorea - inventor desse sertão de couro- sou órfão da feira livre, desde janeiro de 77. Tabaréu que só foi ter luz elétrica em casa aos dez anos, só via aglomeração quando vinha com minha mãe, segunda-feira, fazer feira, nos 20 mil metros de ruas que ela ocupava com seus quatro mil barraqueiros.
A luta era conseguir acompanhá-la sem me perder, distraído, na multidão, no ritmo com que ela visitava seus fregueses, reclamando da carestia, pechinchando, entre cestos e caçuás. Tinha pavor de me perder dela e ficar sozinho sem saber o que fazer, sem proteção. As glórias eram um caldo de cana no Predileto, atravessar a poderosa galeria Caribé, para ela ir ao inevitável armarinho Marta e finalizar com uma banana real com refrigerante, na lanchonete, na saída para a Sales Babosa.
Um dos perigos era quando eu via os vendedores de óleo de peixe-elétrico. Majestosa visão para minha tabaroice, o arengueiro anunciando curas milagrosas, realizações impossíveis, o dinheiro dobrado entre os dedos, e o peixe elétrico deslizando no tanque, pronto para dar sua descarga de 120 volts. Era muita emoção. Dizem que há mais de 120 espécies deles na América do Sul e que o Puraquê – o maior de todos - pode chegar a 600 volts.
A verdade é que vender curas e milagres é um dos mais antigos ofícios de ludibriar a humanidade. O produto mais simbólico dessa trapaça é o “snake oil”, o óleo de cobra. O produto surgiu quando os chineses foram construir a primeira ferrovia transcontinental, nos EUA, e levaram uma pomada da medicina chinesa, extraída da cobra d’água (dizem que tem ômega 3).
Usavam para reduzir as dores articulares, ao fim do trabalho, e como se sentiam melhores – efeito placebo, talvez- os falsos médicos americanos criaram um produto xing-ling que curava tudo e fizeram sucesso vendendo no Velho Oeste. Na maioria das vezes só tinha corante.
Pagavam para pessoas fingirem cura (certas igrejas não lançaram nenhuma novidade), e faturavam muito. Só chegou ao fim em 1916, com o famoso processo dos EUA contra Clark Stanley, o mais renomado mascate desse linimento, cuja composição era óleo mineral, 1% de sebo, capsaicina de pimenta, terebentina e cânfora.
A derrota de Stanley não coibiu igrejas, médicos, e outros agentes de saúde, de ética duvidosa, de anunciarem fórmulas milagrosas para cura, emagrecimento rápido, juventude eterna, libido insaciável, reordenações moleculares, com anúncios nos rádios, TVs, redes sociais, faturando milhões, mostrando que nada muda no velho mundo, embora as velhas diligências e os peixes tenham sido trocados por consultórios modernos, palanques de show, e propaganda filmada com câmeras Alexa 65 Imax.
Outros grandes mascates do “snake oil” são os políticos que prometem transformações revolucionárias que nunca se concretizam e continuam a manter a concentração da riqueza, a brutal distância social, os péssimos serviços, apesar da derrama fiscal, e um voraz apetite pelas verbas públicas.
É por isso que toda vez que os ouço, mesmo que já crescido, tenho medo de me distrair, me perder de minha mãe e ela não voltar para me salvar puxando pelas orelhas o adulto iludido pelas mentiras que eles me contam.

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