* Carnaval e Charutos *
Pronto! Acabaram momentos de sossego na companhia de meus charutos.
Ano 2003, domingo, fevereiro, sol. Missa e missão cumpridas, farnéis apostos, escolho quatro Pirâmides Dona Flor, reúno as tralhas da meninada, mãos ao volante e partimos em busca de um destes paraísos baianos, meus velhos conhecidos.
Sei de antemão: em qualquer destino, encontrarei um carro de som amplificado, a inundar com exagerados decibéis a tudo e a todos; estes, em improvisadas barracas cervejeiras, parecem felizes. O baiano é povo musical por excelência.
Ao aportar, muno-me de paciência, acendo o primeiro charuto da jornada e socorro-me à mesa de bar, em sombra de frondosa gameleira.
Desligo os orgânicos fones auriculares, encaro o som momesco como pano de fundo d’outros tempos joviais, charuto em punho, olhos no papel, volto a escrever.
Carnaval e charutos têm, em comum, além da letra inicial, algo mais a desvendar. Na original paganidade de ambos, talvez resida o elo perdido. Um, proveio das festas romanas inundadas por bebidas, comidas, alegrias e seus deuses; outro, originou-se na quase pacata vida indígena americana, seus rituais, seus pajés, seus tupãs.
Agora, introspectivo, enquanto desfruto o doce aroma do charuto, sou alvejado pelo insistente-agitador-invasor som eletrizado e, sob um calor de trópicos, inspiro-me e mais aprendo.
O estar pouco pesa na balança; o valor reside no ser. Assim, ao ser como sou, não importa aonde estou. Em meio a um sossego perdido, reencontro-o dentro de mim mesmo.
Minha mão com o puro, discretamente se agita ao compasso do estridente som. Os olhos, quando em vez, permitem-se ao luxo de desfrutar o visual ao redor. A cor da tez predominante informa estar nas bandas do Recôncavo Baiano. Cabelos rastafari, corpos em movimento, mesas inundadas de cervejas, capoeira, samba de roda, baiana do acarajé, misturam-se a deuses romanos, tupãs americanos, desapegos, comidas, cheiros, agitos e – por que não? – a sossegos interiores disfarçados.
No fundo, todos somos
um mar de tranquilidade. Assim o é, tanto no ingresso, quanto na saída da
viagem chamada vida. Importa saber entender, neste interstício terreno, na
nave-terra, todos deterem direito a tudo. Seja a agitadora paganidade
carnavalesca a incitar prazeres físicos, seja a apaziguadora paganidade dos
charutos, a provocar reflexões existenciais.
Hugo A. de Bittencourt
Carvalho,
economista, cronista, ex-diretor das fábricas de charutos Menendez &
Amerino, Suerdieck e Pimentel, vive em São Gonçalo dos Campos – BA.
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