Deus e eu, na praia ou no sertão
Quem durante essa pandemia não sentiu solidão, tristeza, angústia, só pode ser doente da cabeça. Ou então já conseguiu fazer da solidão uma aliada e não uma inimiga. Certa vez um amigo me disse: “Quando estou na roça, mesmo estanho em casa, ou acampando no mato, ou na praia, sozinho, eu me sinto bem. Mesmo sabendo que ali existem animais selvagens como onças, eu olho à noite para o céu, vejo a vastidão do universo, e sinto a presença de Deus”. Eu entendi imediatamente o que ele quis dizer. Porque eu também sou assim. Na verdade a solidão se fez presente em minha vida desde muito cedo. Apesar da casa cheia, eu não tinha irmãos da minha idade, nem muitos amigos para brincar. Uma doença me colocou na cama por seis meses. Quando ia pra roça, quase sempre brincava sozinho porque os garotos da minha idade estavam ajudando as suas famílias trabalhando nos roçados e nas plantações. E eu comecei a ficar arredio a pessoas estranhas. Só quando adolescente e fui para o ginásio, passei a conviver uma parte do tempo com pessoas da minha idade. Mas não fiz muitos amigos. Só mais tarde comecei a namorar, ir a festas, viagens, e aí eu desasnei, como se costuma dizer. Mas mantive o gosto por ficar sozinho, mesmo que fosse por alguns momentos.
Comigo o caso foi mais
brabo. Eu estava na roça, mas estava na casa da fazenda, que tinha luz a motor.
Quando resolvi dormir, peguei uma lanterna e a chave da casa do motor, e lá fui
para desligá-lo. Apaguei, tranquei a porta, e quando fui me dirigindo de volta
para a casa da fazenda, passei pelos currais, e a luz da lanterna clareou no
curral dois olhos vermelhos como fogo a cerca de 1.5 metro do chão. Não conheço
nenhum animal com aquelas características, que pudesse estar ali, àquelas
horas. Só sabia que não era vaca, bezerro, cachorro, raposa, nada correspondia
à altura nem o tamanho dos olhos. Os cabelos da nuca e dos braços ficaram todos
eriçados, e eu gritei, já me preparando para o pior: Quem está aí? “Sou eu, seu
Cristóvam”. Quando me aproximei com a lanterna vi que era um rapaz, tirador de
leite, negro, de short preto e sem camisa, que trazia nos braços um filhote de
cachorro, cujos olhos a lanterna revelou. Obviamente, não tive um enfarto,
porque senão não estaria aqui pra contar essa estória.
Um comentário:
Essa é uma história das boas...
Postar um comentário