domingo, 8 de outubro de 2023

 


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Memória & Ficção *

Outro dia, ao falar da memória, anotei a mesma ter olhos às costas, portanto apenas mirar o passado. 

 Assim, quem pratica a escrita sem verve criativa converte-se, quase sempre, em memorialista. Todo caso, valer-se da pena para materializar vivências é, também, privilégio embora certas recordações esmiuçadas soem reprises de antigos filmes; em especial, aos mais anosos ligados à saudade dos velhos tempos. Exauridos pelo mais do mesmo – fatos vividos e revividos –, falta-lhes paciência para imaginar um futuro no qual as sabidas mesmices tornem-se alegórica referência a costumes de antigamente. A verdade é não haver mais tempo para tanto. 

Para os letristas - invasores de olhos e não ouvidos - há alternativa. Falo de velha forma de expressão da humanidade: a escrita. A mesma bem convive com o silêncio da maioria dos destinatários, provocando-lhes sensações atreladas às suas faixas etárias e vivências. 

A quem combina letras em busca da paz com ele mesmo basta um leitor – disse um só vivente – para orgásticos arroubos de felicidade. Mais ainda quando um dos alvos das confidências lítero-cervejeiras repasse-as a alguém declarado apreciador dos dizeres do escriba. 

Fermentar palavras é técnica de foro e cunho íntimos. Volta e meia recorro a ingredientes ficcionais. Para tanto, nos momentos vazios, pouco inspirados, vou à dispensa em buscas léxicas.  Encontrado o fio condutor, salpico anônimos pormenores captados no dia-a-dia, amparando-me no recurso de romances e filmes: “qualquer semelhança com fatos ou pessoas da vida real, é mera coincidência”. 

Sou réu confesso: incorporo pitadas de um ou mais condimentos para conferir às palavras o charme a que aspiro. 

Bem acima de mim, enquanto aprendiz de forno e fogão, Lygia Fagundes Telles, fecunda contista e romancista, é sábia em tal arte. Ensinou-nos a associar memória e imaginário em seu livro “Invenção e Memória” (2000). A partir daí ficou difícil diferenciar, na obra da autora, a realidade da ficção. 

Alguns críticos julgam incorreta tal simbiose.

Por outro lado, contra-argumenta-se: por qual razão deveria o escritor desnudar-se por completo?

O importante, em meu entender, excetuando-se o testemunho, é a diversão de leitor e escritor, aquele se comprazer com as palavras deste. 

Volto a Lygia Telles.

A autora, não satisfeita, tirou do baú duas outras obras: “Durante aquele estranho chá” (2002) e “Conspiração de nuvens” (2007). Trilogia literária arquitetada por memória e ficção. 

Quem me ler, portanto, não se surpreenda caso algumas iguarias minhas pareçam sabores estranhos. É possível sejam manjares exóticos ou engendrados em inconsciente devaneio. 

Afinal, bem pensando, também a vida não será um sonho? 

Lúcido, apesar de as louras, quando em vez, trazerem convidadas, faço-me de desentendido, despisto e despeço-me. 

Tchau e bênção!



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