* O choro da bossa *
(Lamento à morte de João Gilberto)
Quisera ter ouvido absoluto para distinguir ínfimas conotações musicais no trinar de um pássaro, zurrar de um burro ou silvar de uma serpente. Qual o quê!
Ao estudar Canto Orfeônico em 1954, 3ª série ginasial, confesso, com algum constrangimento, haver recorrido à famosa “cola” – escola sem es é cola; escola sem cola não há; tirando-se a cola da escola; a turma não passará – quando dos ditados musicais com suas claves, notas, bemóis e sustenidos.
Como foram aflitivas, para mim, as aulas
daquela disciplina!
“Desafinado” a mais não poder, sentia-me incapaz em reproduzir vocalmente determinada entonação. Tanto entristecia-me.
“Vai, minha tristeza e diz a ela”, à Euterpe, minha solene ignorância, mas – isto é importante - apesar de “meu comportamento antimusical, no fundo do meu peito bate calado um coração”.
Convivo com “a melancolia que não sai de mim, não sai”. Sou só tristeza.
Tanto a “moça do corpo dourado do sol de Ipanema” quanto “a falsa baiana que fica parada” bem como “a que entra no samba de qualquer maneira, que mexe, remexe, dá nó nas cadeiras”, de mãos dadas comigo, todos, choramos tua falta.
“Vai, meu coração, pede perdão, perdão apaixonado” por não haver aprendido a dedilhar um violão no passo e no compasso de uma bossa incomparável, ao deixar saudade para sempre.
“Eu, mesmo mentindo, devo argumentar” haver varado noites a ouvir aquele brando e mágico violão.
“Hô-bá-lá-lá”, João Gilberto! Sertanejo juazeirense da melhor cepa.
“Ah, porque estou tão sozinho”, se tenho teu legado a fazer-me companhia?
“Ah, porque tudo é
tão triste”? Não há razão para isso.
“A beleza que existe, a beleza que não é só minha” eternizou-se - em composições de Vinícius, Tom Jobim, Carlos Lyra, Geraldo Pereira e tantos outros, - na batida do magistral pai da bossa-nova.
Axé, João Gilberto! Os orixás te saúdam!
Seguirei, vida afora, teu fã.
O resto?
O
resto é o choro da bossa.
“É tudo que não sei contar”, ou melhor, sei.
Não há luto infinito.
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