quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Bicho do tomba e o Covid

A vida corria mansa e serena na fazenda Paus Altos, no progressista município de Antônio Cardoso (Umburanas), na Bahia, na misteriosa região conhecida como o “Triângulo do Jacuípe”, pois englobava Feira de Santana, Santo Estevão (velho e novo), Antônio Cardoso, e o garboso distrito de Bonfim de Feira. E não devo me esquecer das Gameleiras (ou Ipuaçu), sob risco de que o seu filho mais ilustre, o ex-prefeito, deputado, governador e Senador, João Durval Carneiro, se aborreça comigo. E na Fazenda Paus Altos, morava Inhô. Pense num crioulo de bem com a vida. Pensou? Era ele. Sempre alegre e sorridente, gaiato, festeiro e paquerador, tirava de letra as agruras da sua vida de pobre, porém, feliz.

Nada o tirava do sério, ou melhor, da alegria. Nunca o vi com uma ruga na testa. Respeitador das tradições religiosas, todo ano tinha festa de São Cosme e São Damião na sua casa. “Hoje é dia de reza na casa de Inhô”, já anunciavam os tiradores de leite nas frias manhãs no curral de vacas leiteiras. Aliás, esse curral, demarcava os limites do território da Casa da Fazenda e a Casa de Inhô. Porque, a primeira ficava na frente do curral, e a segunda ficava bem colada no fundo. E foi numa dessas festas que eu entrei numa fria. Um pouco antes do meio dia, já havia movimentação na casa, pois logo cedo houvera a “Matança”, de galinhas ou outro animal qualquer para ser servido à noite, logo após a “Reza” e antes do “Samba”.

Estava eu ensaiando algumas músicas para a hora do Samba, quando se formou uma file e alguém me informou que era “pra tomar a cachaça do Santo”. Imediatamente peguei uma pequena caneca de alumínio que vi dando “sopa” e entrei na fila. Quando estendi a caneca para abastecer, uma mulher veio e colocou sangue de molho pardo na minha caneca, e antes que protestasse, alguém completou com cachaça. Não tinha como recusar. Seria ofensa ao pessoal da casa, e muito maior aos santos gêmeos. Naquele momento, socorreu-me a “Besta Fera” que existe dentro de mim. Travei e joguei tudo pra dentro de uma golada só. Pensando: Quem já bebeu cachaça com cobra dentro, não vai morrer por beber sangue de galinha. “Valei-me São Cosme e São Damião!

         Mas isso foi há muito tempo. Inhô já se encontra na Paz do Senhor, e os tempos são outros. Ainda outro dia eu vi uma charge sobre a multiplicação dos pães e peixes. Jesus oferecia pão e peixe para a multidão faminta, e as pessoas questionavam: “Esse pão tem glúten”? “Peixe? Eu sou vegano”. A humanidade ficou mesmo muito chata. Agora é a vez do vírus chinês, que causa a gripe conhecida como Covid-19. Aí minha imaginação voou. Hoje as comunicações são instantâneas, mas naquele tempo, uma notícia qualquer poderia levar meses pra chegar. E como corria de boca em boca, sempre chegava distorcida, truncada. Tem até a estória de um fazendeiro que recebia o jornal da capital semanalmente e, à noite, juntava a peonada na varanda da casa, após o jantar, para ler as notícias. E numa dessas, a manchete do jornal dizia: “Vasco da Gama prepara-se para a grande batalha”! E o “Coroné”, com ar preocupado, comentou: “E dizem que esse Vasco da Gama é um homem terrível”!

         Imagine se naquele tempo chegasse na Fazenda Paus Altos, notícias sobre a Covid. Seria algo mais ou menos assim:

-Ô Seo Inhô! Que danado é esse tale de Covid?

= Ôxe! Covid é um bicho amarelo, com os zóio puxado, que nem índio, que veio lá do estrangeiro, apareceu lá pela capitá e que já matou gente que só a Gota Serena.

- E ninguém pode cum ele não?

- Eu soube que mandaram buscar o Bicho do Tomba, lá em Feira de Santana, pra pegar o bicho estrangeiro, e vai ser uma briga pió do que a peleja de Zeca Baleiro contra o Raio da Silibrina!

- Valei-me São Benedito!

-Adonde!

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