Desconstruir uma masculinidade tóxica sem construir de forma positiva uma “nova masculinidade” pode levar a resultados desastrosos entre as gerações mais novas. A nova mini série da Netflix, “Adolescência”, tem tomado as redes sociais ao ampliar o debate sobre um tema que, durante muito tempo, parecia “restrito” ao universo online, e que provoca muitos danos na vida real: a masculinidade tóxica e a cultura “incel”.
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Fonte: Divulgação Netflix/Montagem Drops de jogos |
Em uma
educação progressista e humanista, ensinamos os nossos filhos a respeitar o
próximo, independentemente de gênero, credo, etnia, orientação sexual etc.
Mostramos a eles a importância de cuidarmos uns dos outros e de agir com
justiça e integridade. Mas será que estamos oferecendo a eles uma visão
suficientemente crítica para detectar discursos que tentam seduzí-los a um
comportamento totalmente oposto ao que ensinamos em casa?
No
mundo digital, ao serem confrontados com uma mensagem totalmente oposta, com
apenas alguns cliques de distância de conteúdos que reforçam o machismo sob o
disfarce de conselhos, como se comportam as crianças e adolescentes?
Vídeos
que ridicularizam mulheres, influenciadores que pregam que um “homem de
verdade” não pode ser sensível e canais que disfarçam ódio como autoestima
masculina são cada vez mais abundantes nas redes, especialmente naquelas onde
praticamente não há moderação de conteúdo, como nas redes da Meta e no X. O
mais assustador? Esse tipo de conteúdo é consumido em silêncio – durante o
almoço, antes de dormir, fora do horário da escola, nos momentos em que os pais
não veem, mas seus filhos estão ouvindo e compartilhando entre os amigos.
O
SILÊNCIO QUE MATA
A
história de “Adolescência” está sendo massivamente divulgada como um alerta
para os pais sobre os riscos para a saúde e o desenvolvimento de crianças e
adolescentes que passam muito tempo nas redes sociais, principalmente sem
supervisão, e isto não é um mero acaso. De acordo com um levantamento feito
pelo Comitê Gestor da Internet, apenas 31% dos jovens buscam apoio de adultos
quando estão passando por situações difíceis online.
Stephen Graham, criador da série (e que interpreta o pai de Jamie), disse em entrevista que a inspiração para o roteiro surgiu depois de assistir duas reportagens diferentes sobre meninos que mataram meninas. “Me perguntei o que está acontecendo em uma sociedade em que esse tipo de coisa está se tornando comum”, disse ele ao programa The One Show, da BBC. “Eu não conseguia entender. Então, quis investigar e tentar lançar luz sobre essa questão em particular.”
Em um
dos episódios da série, é mencionado o polêmico influenciador que se declara
abertamente misógino, Andrew Tate, que é uma espécie de “guru” entre os
grupos conhecidos nas redes como “incel” (mencionado na série) e “red pill”. Se
você chegou hoje na internet e nunca ouviu falar nestes termos, talvez seja
hora de aprender para entender com o que estamos lidando.
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Fonte: Reprodução Netflix/Montagem Drops de jogos |
A
filosofia incel propaga o ódio às mulheres, e também está bastante relacionada
ao feminicídio, devido à forma como os incels percebem e reagem às mulheres e à
sociedade. Essa comunidade cria um ambiente onde o ressentimento se transforma
em ódio, e em casos extremos, os leva a atos de violência.
Em
2014, Elliot Rodger (22 anos, EUA), matou 6 pessoas e se suicidou, deixando um
manifesto onde dizia que queria se vingar das mulheres que o rejeitaram. Em
2018, Alek Minassian (25 anos, Canadá) , atropelou 10 pessoas e afirmou estar
“lutando pela revolução incel”. Em 2021, Jake Davison (22 anos, Reino Unido),
matou 5 pessoas, incluindo a própria mãe, e fazia parte de fóruns incel.
Fóruns
incel funcionam como “câmaras de eco”, onde as frustrações são reforçadas por
outros membros igualmente revoltados. Do sentimento de frustração homens e
meninos podem passar para o ódio ativo e, em casos extremos, a cometer ações
violentas.
O
ambiente escolar é um dos cenários centrais de “Adolescência”. Os autores
mostram como a escola falhou em proteger seus alunos do bullying, que está
presente até mesmo diante dos professores, totalmente despreparados para lidar
com estas questões. E Jamie não era o único a sofrer com isso. A própria vítima
do crime era alvo de ataques constantes e teve uma foto íntima exposta, sendo
ridicularizada em toda a escola. Um retrato cruel da misoginia.
Na
série, a falta de intervenção eficaz dos professores transformou a escola em um
espaço onde o sofrimento foi totalmente banalizado. Isso fica explícito na cena
em que alguns meninos riem do fato da colega ter morrido. Os problemas dos
alunos foram ignorados até se tornarem graves demais para serem contornados.
PODEMOS
REALMENTE OS PROTEGER?
É óbvio
que nem todos os incels são violentos, mas a cultura incel pode servir como um
campo fértil para o ódio. A combinação de frustração, ressentimento e
desumanização das mulheres cria um ambiente perigoso que, como vimos, já
resultou em casos de feminicídio e ataques em massa.
Para
evitar que essa mentalidade continue crescendo, aqui não existe fórmula mágica,
cursinho ou milagre. Se não houver um olhar atento, os meninos crescerão
acreditando que desvalorizar mulheres é normal, que sentir empatia é fraqueza e
que impor-se significa gritar.
É mais
do que reconhecido que o ambiente digital não é seguro para crianças, e que os
adolescentes precisam de uma educação digital crítica. Caso contrário, serão
eles os responsáveis por reproduzir essas ideias no futuro, para outros
adolescentes.
É
dentro de casa que essa conversa precisa acontecer, não como forma de controle,
mas de conscientização. Ensinar a questionar, ouvir e respeitar é essencial.
Criar um homem não é sobre torná-lo rígido, mas sim sobre humanizá-lo. Afinal,
que tipo de influência está moldando a visão de mundo dos nossos filhos?
Não
podemos nos furtar a dar aos nossos filhos, de qualquer gênero, uma educação
emocional e sexual saudável. Ensinar desde cedo que relacionamentos exigem
respeito e reciprocidade. Temos que os ensinar a reconhecer e a denunciar os
discursos misóginos, e a não normalizar piadas sobre estupro ou violência
contra mulheres. O silêncio e a omissão apenas fortalecem essa cultura. É
preciso agir, conversar e estarmos mais presentes na vida digital e emocional
de nossos filhos.
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