domingo, 2 de março de 2025

 


Andança matutina

 Nas manhãzinhas de um inverno semitropical – encarado, por muitos homens de bermudas e por não menos mulheres com vestes curtas decotadas - a maioria de sandálias, chova ou faça sol, pouco antes das cinco e meia, venço o sereno da madrugada em direção ao ponto de encontro e do deslumbre em ver o sol encorajar-se.

 As calçadas – ou, passeios, como queiram – na Terra dos Pedreiras, como a chamou o Imperador Pedro II ao aqui estar em 1859 - atormentam o juízo dos caminhantes. Impossível descrever o mundo de imperfeições das mesmas. Cadeirantes, deficientes visuais, idosos, quando sujeitos aos desníveis, buracos, degraus, rampas, vasos com plantas, restos de materiais de construção, incorrem em sério risco de acidentes.

Por isso, sendo ainda madrugada, vou-me pelo asfalto recém implantado na cidade. Providência, por sinal, contra a qual muitos torceram narizes, tendo a mesma por indesejável. O mais surpreendente foi ouvir vozes contrárias de alguns motoristas. Bastava não ser simpatizante político do prefeito, para depreciar a iniciativa. Cidade pequena, inferno grande. Em ano de eleição, então ...

Mas, retomemos o fio de nossa jornada. O papo matutino predominante gira em torno de obituário, futebol, violência urbana e política municipal. Pouco ou nada aproveitável. Costumam aparecer, candidatos à vereança. Quem não é visto, não é lembrado, reza o ditado.

Às seis e meia, agora pela calçada, retorno ao lar. Na ocasião me dou conta ter razão Dom Pedro II. Não só isso. No caminhar solitário, compassado e atento, percorro o trecho da esquina da extinta loja A Fascinante em direção ao bairro das Sete Portas. Minha casa dista, se muito duzentos metros, distância correspondente a duas ruas sucessivas. A João PEDREIRA (cujo nome completo foi João Pedreira do Couto Ferraz), que pouco adiante, no cruzamento com a avenida Hanibal PEDREIRA (prefeito da cidade um século atrás), passa a ser denominada Cel. Adriano PEDREIRA (irmão de Hanibal e também ex-prefeito). Naquele entorno estão os prédios da Delegacia, da Secretaria da Saúde, da Prefeitura Municipal mais Fórum, Correios, Câmara Municipal, Biblioteca.

Em tal diário caminho, recordo um personagem que o percorria, como hoje o faço. Proprietário da loja Fascinante e residente na rua João Pedreira, na casa onde hoje funciona a Secretaria Municipal de Saúde. Falecido com idade superior aos cem anos, até pouco antes de sua morte, o decano Otoniel Torres, em caminhar solitário, compassado e atento – passava por onde agora passo.

Vez ou outra, ‘tenho encontrado seu Otoniel’ e meio ao silêncio reinante, trocamos confidências. Pede-me sigilo. Amanhã ou depois, eu serei ele. Se, não na idade, por certo no destino.

Hugo Adão de Bittencourt Carvalho (1941), economista, cronista, é autor do livro virtual

Bahia – Terra de Todos os Charutos, das crônicas Fumaças Magicas e Palavras ao Vento,

participa do Colares – Coletivo Literário Arte de Escrever. Vive em São Gonçalo dos Campos.
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http://livrodoscharutos.blogspot.com

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