domingo, 30 de março de 2025


 Caramuru às avessas

 Supostamente, nos idos de 1510, quando Diogo Álvares Correia, fidalgo da Casa Real portuguesa - ao safar-se do naufrágio da embarcação que rumava para São Vicente - alcançou as costas do Arraial do Rio Vermelho, registrou-se o primeiro entrelace significativo entre o idioma luso e a língua ágrafa dos povos originários. 

 Não importa se Diogo Correia haja escapado de ser devorado pelos tupinambás – fato ocorrido com os demais viajantes – por ter se escondido entre as pedras, tal qual um peixe - a moreia - que, no idioma tupinambá, chamava-se Caramuru. 

Também não vem ao caso, outros considerarem ter, tal palavra, o significado de “filho do trovão” e assim, teriam chamado Diogo, por ter disparado um tiro para o alto, atemorizando os indígenas. 

No presente, de especial realce é o recente escambo linguístico acontecido, propondo ao português, o aprendizado da língua da terra onde Caramuru ficou para sempre e na qual semeou, por sua união com uma indígena, os fundamentos de nossa ancestralidade. 

Se a data do lusitano em direção ao indígena é imprecisa, a deste na direção daquele foi, fartamente, documentada. Cinco de abril de 2024, quando, pela vez primeira, abriram-se as portas da lusófona ABL - Academia Brasileira de Letras, para o descendente dos povos originários -  um Caramuru às avessas - nomeado Ailton Krenak. 

Escritor, filósofo e ambientalista, Ailton Alves Lacerda Krenak (1953, Itabirinha, MG) assumiu-se representante dos 305 povos indígenas que compõem a tessitura do país, ao receber os símbolos acadêmicos – diploma, colar e espada. Fundada em 1897, transcorreram 127 anos para a ABL acolher o primeiro indígena a seus quadros. 

 Na cerimônia da posse, além de eminências ligadas à Cultura, aos Direitos Humanos e à Funai, uma presença plural de etnias indígenas de várias partes do país. Vestido com o tradicional fardão azul marinho com bordados dourados, Krenak  não dispensou o uso da bandana de sua etnia, tendo registrado, em seu discurso, serem, as diversificadas presenças étnicas, entre as quais se incluía, uma inequívoca demonstração de sermos uma sociedade muito complexa. Ainda, segundo ele, tal tomada de consciência denota uma fricção entre o português da academia e o falado no resto do Brasil Atlântico. 

Quem desejar melhor conhecer o novo laureado, recomenda-se a leitura de três obras de sua autoria –“O Amanhã Não Está à Venda”, “A Vida Não é Útil” e “Ideias para Adiar o Fim do Mundo”. Em tais obras, Krenak difunde o pensamento ameríndio, propõe novos modos de vida - modos de se relacionar com o meio ambiente.  Por outro lado, critica o que denomina “humanidade zumbi”, uma ideia de progresso que “deslocou os homens do corpo da terra e os levou ao consumo desenfreado e à destruição da natureza”.

 NOTA INFORMATIVA 

Ilustra-nos, o site “Povos Indígenas do Brasil”: 

Os Krenak ou Borun são os últimos Botocudos do Leste, vítimas de constantes massacres decretados como “guerras justas” pelo governo colonial. Hoje, vivem em área reduzida reconquistada com grandes dificuldades.

A denominação de Botocudos, foi dada pelos portugueses, no final do século XVIII, por usarem botoques auriculares e labiais. São, igualmente, conhecidos por Aimorés, denominação dada pelos Tupi.

Os Krenak pertencem ao grupo linguístico Macro-jê, falando uma língua chamada Borun. Apenas as mulheres com mais de quarenta anos são bilíngues. Os homens, jovens e crianças de ambos os sexos são falantes do português. Ultimamente, vêm sendo envidados esforços para que as crianças voltem a falar Borun.

 O território original dos Botocudos era a mata atlântica no Baixo Recôncavo Baiano, até serem expulsos do litoral pelos Tupi. Aos poucos, deslocaram-se para o sul, atingindo o Rio Doce em Minas Gerais e Espírito Santo, século XIX.

                                                                                                      

Hugo Adão de Bittencourt Carvalho (1941), economista, cronista, é autor do livro virtual

Bahia – Terra de Todos os Charutos, das crônicas Fumaças Magicas e Palavras ao Vento,

participa do Colares – Coletivo Literário Arte de Escrever. Vive em São Gonçalo dos Campos.
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