sexta-feira, 29 de junho de 2018

O país do futuro do pretérito (2015)

Num dia sem jogos da Copa, resgatei uma crônica publicada em 2015, dei uma atualizada e resolvi postar pra ajudar a galera a superar a abstinência futebolística. Segue o texto:

Não existe lugar melhor e mais confortável do que o passado. “Antigamente é que era bom” ou “No meu tempo era melhor”. Nessa de suspirar pelos velhos tempos, tem gente com saudade até da ditadura! Mas é inegável que algumas coisas eram melhores no passado, como nosso futebol, por exemplo. Nem vou entrar nessa do 7x1, pra não chutar cachorro morto, mas convido você a fazer um exercício de futurologia pretérita para mostrar algumas coisas que mudaram para pior no nosso mais querido esporte e, por tabela, na nossa vida.
Digamos que o Santos esteja fazendo uma peneira para descobrir novos talentos no interior de São Paulo, na região de Bauru, e um olheiro se depara com um menino que chuta com os dois pés, cabeceia como ninguém, tem um domínio de bola e visão de jogo impressionantes, é forte, rápido, preciso nas conclusões e domina praticamente todos os fundamentos do futebol. O velho olheiro fica encantado e decide levar o garoto para o Peixe. Mas, ao chamar o jovem prodígio para conversar, o funcionário do clube descobre que o menino já tem um empresário e que é ele quem vai conduzir as negociações. Coisas do futebol moderno...

Dias depois, o menino já está na Vila Belmiro, com contrato assinado, dinheiro no bolso, carro na garagem e arrebentando nos treinos. Seu desempenho chama a atenção do técnico do profissional, que resolve conversar com o jovem craque:
- Como é teu nome, moleque?
- Pelé.
- E Pelé é nome de jogador? Como é teu nome de verdade?
- Edson.
- Edson é melhor. Mas já temos outro Edson no time... Como é seu sobrenome?
- Arantes do Nascimento.
- Resolvido: é Edson Arantes então.
No futebol brasileiro atual não existem mais Pelés, Zicos, Garrinchas, Zitos, Didis, Vavás ou Zizinhos. Agora é Tiago Silva, Daniel Alves, Ricardo Goulart, Everton Ribeiro, Diego Tardelli, Philipe Coutinho, Ricardo Oliveira e até Alan Kardec. Portanto, nada de “Pelé”, o menino seria chamado de Edson Arantes e assunto encerrado.
Edson Arantes logo se firma na equipe sub-20 e começa a ter chances no profissional. Entra sempre no final dos jogos, faz algumas boas jogadas e a torcida, a imprensa, a diretoria e o empresário começam a pressionar para que ele comece jogando. O técnico resolve escalar o rapaz no time principal, para um jogo contra o Penapolense.
O moleque arrebenta! Faz 3 gols, pede música no Fantástico e rapidamente chega aos píncaros da glória. Milton Neves decreta que é o melhor jogador que já viu desde que saiu de Muzambinho; Galvão Bueno diz que Edson Arrrrrrrrantes do Brasil é um gênio da bola; Trajano afirma categoricamente que é a salvação do futebol brasileiro e a volta do futebol moleque; Juca Kfouri diz que a CBF vai elaborar um plano diabólico para criar clones do menino e vender no mercado negro, e PVC ressalta que ele acertou 94,7% dos passes e fez 2 gols com a perna esquerda em minutos ímpares, coisa que não acontecia desde que o XV de Piracicaba enfrentou o Capivariano pela séria A-3 do campeonato paulista de 1987.
Meses depois, Edson Arantes é convocado para os amistosos da seleção em Dubai, contra Andorra, Azerbaijão e Turcomenistão, mas, antes de se apresentar ao escrete canarinho, seu empresário aparece no Santos com uma proposta irrecusável de um clube da China, para comprar o passe, quer dizer, os direitos econômicos de Edson Arantes e numa negociação milionária o rapaz deixa o futebol brasileiro para jogar no 长春亚泰足球俱乐部, onde vai atuar ao lado de jogadores como Liu Xiaodong, Cao Ziheng e Zao Haoxiang. O clube chinês exige sua imediata apresentação e Edson Arantes pede dispensa da seleção e embarca para a China, onde cumprirá um longo contrato de 5 anos.
Após anos de sucesso e invisibilidade no futebol chinês, nem a torcida do Santos lembra mais de Edson Arantes, que deixa o futebol xing ling e segue para a Rússia, para atuar no Krasnodar, time de um magnata da antiga União Soviética que sonha em conseguir uma vaga na Champions League. Mas o time não é grandes coisas e após dois anos, Arantes, já chegando aos 30, resolve aceitar uma proposta do Villareal, para jogar o campeonato espanhol, que pelo menos passa na televisão no Brasil. Além disso, quem sabe não desperta o interesse do Real Madrid ou do Barcelona?
A temporada de Edson Arantes é boa, mas os grandes espanhóis não demonstram interesse pelo veterano e desconhecido brasileiro, afinal eles já tem Messi, Suarez, Philipe Coutinho, Cristiano Ronaldo, Bale, Benzema e outros astros nos seus elencos. Porém, seu futebol de qualidade chama a atenção do treinador espanhol, que procura um atacante para a seleção. Assim, Edson Arantes, craque de bola, mas desconhecido no seu próprio país, aceita o convite, naturaliza-se espanhol, assume a camisa 10 da Espanha e será vaiado impiedosamente pelos brasileiros na primeira oportunidade em que as duas seleções se enfrentarem.
É claro que isso tudo é uma divagação, mas não é, infelizmente, de todo inverossímil, como comprovam Pepe ou Diego Costa, brasileiros que atuam por Portugal e Espanha, respectivamente. Sem querer ser saudosista e já sendo, tudo que me resta é relembrar como eram bons os tempos em que os Edsons podiam ser Pelés, os Arturs podiam ser Zicos e se jogava bom futebol no Brasil. Mas suspirar pelo bom futebol dos velhos tempos é uma coisa bem diferente de suspirar pelos velhos tempos em que generais mandavam escalar jogadores na seleção brasileira. Afinal, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa e o negócio é jogar pra frente e trabalhar muito para conquistar os 3 pontos que vão ser muito importantes para nossa equipe.

Victor Mascarenhas
(Escritor, roteirista, professor e publicitário)

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