
Além dele, existem outras peças semelhantes
espalhadas no ambiente. São protótipos de fornos, fogões e secadores
desenvolvidos no laboratório de máquinas hidráulicas do curso de
Engenharia Mecânica, coordenado pelo professor Luiz Guilherme Meira de
Souza, que pesquisa a energia solar há 40 anos - 37 deles, na UFRN.
Os
equipamentos, construídos com sucata, espelhos e outros materiais de
baixo custo, podem ser alternativas viáveis para substituir o botijão de
gás, assegura o pesquisador. Nos últimos 12 meses, o preço do botijão de gás aumentou muito acima da inflação e já consome até 40% das rendas das famílias mais pobres.
A
ideia do fogão é simples: transformar a radiação solar em calor, criar
um efeito estufa e usar esse calor para aquecer água, cozinhar, secar ou
assar os alimentos.
Um dos experimentos, por exemplo, é um forno que teve um custo
total de R$ 150 reais - valor equivalente a cerca de duas recargas de
botijões de gás. O equipamento assou nove bolos ao mesmo tempo em uma
hora e meia, somente com a energia captada da luz solar. Um forno
convencional seria vinte minutos mais rápido, mas não teria capacidade
para tantas assadeiras.
Idealizado pelo engenheiro Mário César de
Oliveira Spinelli, 31 anos, o forno foi feito com MDF - uma chapa com
fibras de madeira - espelhos e uma placa de metal, combinação de resina
sintética com malha de ferro.
"A grande questão era: com essa
área tão grande será que a gente vai conseguir assar todos os alimentos?
Porque a carga também era muito grande. E a gente colocou e foi
perfeito. Vimos que era viável", pontuou Spinelli, que fez da
experiência seu objeto de mestrado na UFRN em 2016.
Sustentabilidade

Durante os testes, foram assados vários alimentos: pizza, bolo, lasanha e até empanados. O resultado foi satisfatório.
"Quando eu fiz o primeiro bolo, eu comi e fiquei
realizado. Porém, é uma decepção ser mais um projeto que ficou na
prateleira da universidade. Mas só em saber que dá certo, deixa a pessoa
com a sensação de que é uma alternativa viável feita com produtos que
estavam sendo descartados."
Varela destacou na pesquisa que em
países da África e da Ásia o governo tem incentivado o uso de fogões
solares pela população para diminuir o consumo de lenha e os impactos
ambientais.
Viabilidade
De
acordo com o professor Luiz Guilherme, no Brasil, a Universidade Federal
de Sergipe (UFS) conseguiu levar essa ideia para algumas comunidades
pobres.
Afinal de contas, se há viabilidade econômica, técnica e
ambiental, se o país possui condições climáticas favoráveis, por que os
experimentos feitos na UFRN não saem das salas acadêmicas e ganham
visibilidade e uso doméstico?
"A energia solar é uma energia
social porque está disponível para todos, mas é a que menos tem
investimentos porque o modelo de sociedade que nós temos sempre busca
concentrar a energia e produzir pra vender e nosso trabalho não está na
geração de energia pra vender", justifica o professor Luiz Guilherme.
Para
o pesquisador, o produto poderia ser fabricado em escala se o Brasil
investisse em pesquisas de tecnologia social. Mas os estudos que são
realizados esbarram, na opinião dele, no desinteresse político,
industrial e até acadêmico.
Sem investimentos
"As
bolsas e pesquisas financiadas não existem para tecnologia social. No
departamento de Engenharia Mecânica, por exemplo, como chefe do
laboratório, eu não recebo verba pra sustentar esse trabalho", diz o
professor Luiz Guilherme.
O dinheiro para custear os projetos, garante, é tirado do próprio salário e das bolsas de pesquisa dos alunos.
Há
outra sobrecarga no setor. Desencantados com a falta de incentivo,
muitos pesquisadores de energia solar redirecionaram seus estudos para
outras áreas onde havia incentivo financeiro, como o petróleo.
Foi
o que aconteceu na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), que era a
maior referência de energia solar no Brasil. "Lá tem pesquisadores de
grande nome, de grande potencial nessa linha. Muitos deles migraram para
outras áreas. Fazer pesquisa para pobre não dá dinheiro".
Apesar
disso, as pesquisas no setor gerido pelo professor Luiz Guilherme
continuam. Uma das últimas criações do laboratório de máquinas
hidráulicas é um fogão com quatro focos construído com resíduos
industriais e com fibras de juta, fibra têxtil vegetal utilizada nos
sacos de estopa.
O pesquisador garante que é o único no mundo.
"Esse fogão é inédito. A literatura não mostra outro. É uma criação
nossa, de um aluno de pós graduação. Esse fogão permite cozinhar quatro
tipos de alimentos ao mesmo tempo", assegura Guilherme.
É
importante ressaltar que o fogão ou forno só funcionam satisfatoriamente
em boas condições solares, das 09h da manhã às 14h. Alguns cuidados
fundamentais também são necessários durante o manuseio, como o uso de
óculos escuros para que a luz não reflita nos olhos.
Nenhum dos
pesquisadores tem forno ou fogão solar em casa. Mas todos eles afirmam
categoricamente que os produtos são efetivos e se predispõem a implantar
projetos-pilotos em comunidades socialmente desassistidas.
"Um
trabalho, um estudo existe. Está aqui a comprovação da viabilidade. Ela
existe, está catalogada. A vontade de repassar estas tecnologias também
existe. Eu nunca patenteei nada, nunca produzi pra ganhar nada, não é
meu interesse. Eu não sou um empresário. Eu sou um professor", finaliza o
pesquisador da UFRN. (BBCBrasil)
Nenhum comentário:
Postar um comentário