domingo, 18 de setembro de 2022

A Feira de tudo

Minha alma caminha de pés descalços. Sou dessas. Sei de onde vim e quem é de verdade não nega suas origens. Nasci comerciante de uma parada de tropeiros tangendo seus burros e boiadas que encontravam abrigo na fartura de minhas lagoas. Não foi à toa que fiquei conhecida e falada como Santana dos Olhos D’Água. Nome de batismo. Depois virei Feira porque sou empreendedora e armei a maior feira livre do Nordeste e uma das maiores do Brasil. Vinha gente de todo canto, de todo mundo, me ver. Fiquei vaidosa. Até Sartre e Simone de Beauvoir vieram com Jorge Amado ver meus bocapius e caçoás de tão grande que era. A existência precede a essência, não é assim que ele dizia?

Mudei meu nome para Feira de Santana, afinal, fama por mais de 15 minutos nem todo mundo tem. Não fiz gosto não, mas a necessidade é o pai da realização. Já tive meus dias de heroína com Maria Quitéria que não sou de fugir da luta. Depois virei entroncamento rodoviário – o maior do Nordeste- o que me faz ver gente e coisas do céu e do inferno. Minha alma nunca está pronta.
Sou viva. Sou raiz. Como diz aquele meu admirador apaixonado - Tom Zé- na música que fez para mim: tudo que passa, passa por Feira de Santana. Tenho meus pecados. Um jeito de escambo, de comércio, em tudo. Sou mercadora. Em mim tudo se negocia, em se plantando tudo se vende, por isso nem sempre valorizo a cultura, preservo o histórico, ou guardo memória. Sou assim.
Mas tenho minhas virtudes: sou mãe generosa. Aqui quem chega com vontade pode crescer, botar banca e enriquecer. Não puxo folha corrida. Trabalhou, dou chance de me conquistar. Um retalho de cetim, uma prosa com cerveja, que sou de um bar em cada esquina, festeira. Não foi à toa que a Micareta foi inventada aqui.
Minha alma é esquina do sertão, casa de migrante, porta aberta. É assim que me sinto e sou. Fico retada, às vezes, porque enterram minhas lagoas, mas pago o preço da veneração ao que se vende e troca. Mas estou mudando. Tem um povo aí, no jornal, que fica enchendo minha cabeça para ter outros gostos. Adoro meu céu de fogo dos flamboyants floridos e o lago que me rodeia. Meus becos dos tempos devassos- Minadouro, Beco do Mocó, Beco do Pinga-Pus, Beco de Aurinho, onde Maria do Fogo dava expediente. É minha natureza. Mas tenho dias de muita carência e poetas que me dão orgulho. O pôr do sol exuberante- a toalha de luz do sol posto- que a poetisa botou no meu hino e me enche de melancolia passageira. Sim, tenho hino- sorry periferia. Agora estou na trilha da novela da Globo. E Ruy Barbosa foi que botou meu apelido de Princesa do Sertão. Quem é que não ia ficar vaidosa, dando voadora nas inimigas? Minha alma é feira de todos. Sou dessas.

Nenhum comentário: