sábado, 24 de setembro de 2022

        


*O santo vela; o charuto revela*

          Na companhia de meu charuto, debruçado à amurada do Coreto da praça, passo o tempo a apreciar o belo (es)paço do templo de São Gonçalo. 

Ponho-me a pensar neste ‘santo’ nunca canonizado pelo Vaticano. Sua historicidade, tornou-se questão secundária ante a magnitude de seu culto. Na realidade, a figura medieval portuguesa de Gonçalo (falecido, supõe-se, em 1259). O culto nos altares foi permitido pelo Papa Júlio III, ao beatificar Gonçalo em 1551. Trata-se, portanto, de um Beato.

         Há, inclusive, quem supõe Gonçalo ter sido invenção barroca dos tempos nos quais a Igreja, para enfrentar as teses humanista e luterana sobre o culto aos santos, incentivara um surto de literatura edificante de pessoas ilustres.  

Os partidários da santidade gonçalense apelam à crença popular, e face pesquisas frustradas de provas documentais relativas a prováveis milagres, registram as mesmas, por certo, terem sido perdidas. 

Uns supõem, queimadas no incêndio subsequente ao terremoto de 1755 em Lisboa o qual destruiu o Arquivo Central dos Dominicanos (ordem à qual Gonçalo teria pertencido). 

Outros creem, tais documentos fizessem parte dos Arquivos Vaticanos, papéis em 1812 transportados para Paris por ordem de Napoleão. Tais papéis, em 1816-17, foram devolvidos a Roma. Acontece, infeliz coincidência, que alguns dos carros utilizados neste transporte, caíram nos Alpes na viagem Roma-Paris. Assim se teriam perdido documentos que desfariam muitas dúvidas sobre o Beato Gonçalo. De lá para cá, de comprovados milagres, nada, e a coisa para por aí.  

Mas, vá você dizer ao povo de minha São Gonçalo dos Campos ou para o da cidade de Amarante, em Portugal, Gonçalo não ser santo. Vá também dizer, ao povo de daqui, seus charutos não estarem entre os mais reputados no mundo. Em qualquer caso, “o pau quebra, é briga para quinhentos anos”. 

Santidade e qualidade à parte, como “vox populi, vox Dei, respeito as crenças. Conselhos e água benta não fazem mal a ninguém. Embora, como dizem alguns, se bons fossem, caro custariam. 

Da santidade tradicional de Gonçalo, atesto pelas pesquisas levadas a cabo. Tanto que, em 1998, organizei com o apoio de cinco são-gonçalenses da gema, viagem a Portugal tendo por principal objetivo visitar Amarante, no período dos festejos ao Padroeiro, onde nos fartamos de informações e em cujo imponente mosteiro estivemos juntos ao suposto túmulo do Beato. 

Da qualidade dos ‘puros’ são-gonçalenses, dou testemunho por tê-los visto germinar em 1976/7 e se afirmarem na opinião pública nacional. 

Não por me considerar expert num ou noutro tema. Ocorre que à força de ‘conviver’ com o santo e com a secular atividade fumageira, passei a melhor entender o mundo. 

O santo vela. O charuto revela.

O santo vela por todos quantos nele confiam.

O charuto revela forma de viver diversa do “assim caminha a humanidade”. 

Ante tal certeza, como é prazeroso, neste “mundo de meu Deus”, apesar de (in) voluntária ou (in) conscientemente estarmos nivelados pelos ditames da fé, da mídia e das grifes, saber-nos diferentes em algo.

Valha-nos São Gonçalo!

Valhamo-nos de nossos charutos! 

Que São Gonçalo, nosso ‘santo’, a todos proteja.

Que os charutos da terra, continuem sendo indicativos de distinto estilo de vida. 

 Hugo A. de Bittencourt Carvalho, economista, cronista, ex-diretor das fábricas de charutos Menendez & Amerino, Suerdieck e Pimentel, vive em São Gonçalo dos Campos – BA.

 [email protected] http://livrodoscharutos.blogspot.com

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