* O cuco implacável*
Embora o uso das horas seja questão de preferência,
a eventual falta de tempo para escrever costuma impor-me, a contragosto, o
represamento de tal impulso; salva-me o alerta do relógio do peito.
Há
momentos, nos quais à luz do entardecer da existência e sob o peso das
injunções inerentes à idade avançada, o cuco engaiolado vence as grades e em
segundos, fraciona o tempo.
Cuco-cuco! Cuco-cuco! Cuco-cuco!
De
pronto, afloram reminiscências de quando – menino ainda – deixava-me seduzir
pelo falso-pássaro a conclamar sua libertação daquele presídio-relógio, apenso
à parede da sala de jantar da casa paterna.
Então,
em águas da travessia do aprendizado da vida, eu era suprido em minhas
carências sem contrapartida alguma à sociedade. Em paralelo, o incansável
passarinho prosseguia avisando.
Cuco-cuco! Cuco-cuco! Cuco-cuco!
Degastadas
muitas solas de sapatos, a equação inverteu, o ali e o aqui se aproximaram, o
menino virou homem, mas o canto da avezinha persistiu.
Certa
feita, a sala de jantar amanheceu muda: nenhum sinal de vida da avezinha,
exausta de cantar estava. Em seu lugar, um espelho.
Ausência sempre lembrada.
Tempo a galope, em minha memória o passarinho seguiu sua sina, autêntico moto-perpétuo. Seu canto, porém, não mais era o mesmo. Transformara-se em tiques e taques, ora contínuos, ora descompassados, tal como o matraquear das máquinas datilográficas da prisca juventude.
Tic-tac, tic-tac, tic-tac.
Belo
dia, ao mirar minhas cãs - espelho da sala do finado presídio-relógio -, dei-me
conta dos tiques e taques serem inatas arritmias no “lugar onde ninguém pisa”.
Um marca-passo sufocou, para sempre, o pássaro engaiolado ao peito.
Agora, em instantes melancólicos, relembro o cuco implacável e penso melhor seria se houvesse me olvidado dos feitos não poéticos da vida.
Tic-tac, tic-tac, tic-tac.
Paz
e poesia são meus desejos.
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