* Predileções *
Queiramos ou não, nutrimos indisfarçáveis predileções. Amizades, lugares, vestuário, alimentos, bebidas, charutos, entre outros seres e estares, integram o rol provocador das mais diversas sensações: confiança, bem-estar, boa aparência, sabores marcantes, euforia, prazer.
Gostos são regalos da vida. Por isso, na dúvida, sempre optamos por aquela companhia, aquele lugar, aquela roupa, aquela comida, aquela bebida, aquele charuto.
O mais das vezes, tanto não é possível. Ora, o prato mais apreciado não integra o cardápio do restaurante. Por outro lado, seu lugar preferido não anda consigo; é você quem deve se deslocar até ele. Ora, sua bebida predileta não “casa” com o horário de seu trabalho. Sua roupa predileta, suponhamos seja a esportiva, não se adequa à sua atividade profissional. Única exceção em tal quadro: ‘seu’ charuto, este sempre o acompanha.
Mesmo ante placas com a proibição de fumar, tê-los junto ao peito, apalpá-los, cheirá-los, a “ameaçar” alguns circunstantes e despertar inveja noutros, é motivo de auto regalia.
Certa feita, com um grupo, em almoço de negócios, vivi a experiência.
Após a refeição: sobremesa, licores, cafezinho, bate-papo. O aviso proibitivo, assemelhado às placas de trânsito, lá estava. Fiz-me de cego.
Ao momento do licor, dei partida ao rito retirando, de forma delicada, o charuto da bolsa de celofane, o companheiro a meu lado cochichou: “Hugo, você viu o aviso?”. Fiz-me de surdo.
Cortei o bico do puro, levei-o à boca e aspirei profunda e prazerosamente. Olhares hostis da mesa ao lado, quais dados certeiros, fulminaram-me. Fingi-me só.
O maitre, gentil e educado,
aproximou-se:
“Senhor. Desculpe-nos, mas não é permitido fumar neste
local”.
Ainda com o puro à boca, contestei:
“Não me leve a mal, mas vou continuar a ‘fumar’. Por acaso será proibido estar-se com um charuto, sem acendê-lo?”.
Deixei-me assim ficar,
para o gáudio dos companheiros da mesa, com o assunto descambando para o
charuto e seus prazeres, mesmo sem ‘dar-lhe candela’.
Podemos discordar em matéria de comidas, bebidas, roupas, lugares, fumo, o que seja. Mas certo é, a predileção pelas boas coisas da vida nos une, como fôssemos velhos conhecidos.
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