sexta-feira, 2 de setembro de 2022

Sexo de dez minutos com agenda marcada: a recomendação de escritora feminista a mulheres ocupadas


Nas páginas de seu último livro, More than a Woman (Mais que uma mulher, em tradução livre; sem edição brasileira), a escritora Caitlin Moran, agora na casa dos 40 anos, se encontra com seu eu futuro, uma idosa que a alerta para o que está por vir: "Eles vão te pedir para sustentar o tecido da sociedade. E de graça. É isso que significa ser uma mulher madura".

E sugere que, se ela conseguiu se tornar uma mulher com esforço ao longo dos últimos anos, no futuro breve ela terá que ser mais do que isso.

"Mais que uma mulher?", ela responde, desconsolada. "Eu tenho que me tornar mais do que uma mulher? Em quê? Em duas mulheres? Bem, olhe, pode ser útil. Porque de agora em diante as coisas ficam feias."

Após essa advertência, Moran se dedica a relatar com ironia, lucidez e autoconfiança as diversas realidades das mulheres mais velhas, suas intermináveis ​​listas de tarefas pendentes, suas batalhas, seus cansaços e suas belezas.

Em entrevista à BBC News Mundo (serviço de notícias em espanhol da BBC), ela abordou a realidade das mulheres maduras — que diante de tantas obrigações têm pouco tempo até mesmo para fazer sexo. Moran tem na sua agenda um compromisso semanal, sempre às sextas-feiras às 9h: fazer sexo com o marido.

"Quando você é mais velha, o sexo espontâneo é mais difícil porque está muito ocupada, então você precisa colocá-lo na programação", diz Moran. "Não subestime a clássica sessão de dez minutos de sexo. É um clássico por uma razão."

Dez anos antes, ela havia revolucionado o mercado editorial com o best-seller Como Ser Mulher, no qual relatava sua transição da adolescência para a vida adulta e proclamava que "feminismo é ser tão livre quanto os homens" e que todas as mulheres estão convidadas a se tornarem feministas "por mais loucas, estúpidas, ingênuas, malvestidas, gordas, diminuídas, preguiçosas e vaidosas que sejam".

Ela escreveu esse livro poucos anos antes de suas filhas virarem adolescentes. Existia um pavor sobre o mundo em que elas cresceriam e da maneira hostil com que as mulheres eram tratadas — sem humor, sem gentileza: "Você mesma tem que se arrumar, se depilar, comprar uma bolsa de grife e fazer um sexo oral perfeito".

Como Ser Mulher foi um fenômeno social e editorial. Caitlin Moran havia decidido que falaria de uma nova maneira e que o livro faria tanto sucesso que mudaria o mundo.

A BBC News Mundo conversou com a escritora, que participa do Hay Festival Querétaro, evento que acontece entre 1° e 4 de setembro no México. 

BBC: Como Ser Mulher não mudou o mundo no final. É por isso que você teve que escrever More than a Woman?

Caitlin Moran: Mais ou menos isso. Quando minhas filhas tinham 13 anos, vivíamos uma utopia feminista, mas obviamente isso não aconteceu, então tive que escrever More than a Woman dez anos depois.

Mas coisas incríveis aconteceram e há um clima muito diferente. Temos MeToo, redes sociais e modelos incríveis como [a cantora] Lizzo, [a atriz] Phoebe Waller-Bridge, [a comediante] Amy Schumer, Beyoncé e [a escritora] Chimamanda Ngozi Adichie, que falam sobre feminismo de uma maneira poderosa e não acadêmica.

Mais irmãs, inspiradoras, lindas, divertidas. Mas também notei que era uma mulher mais jovem, solteira e festeira que sai, faz sexo, bebe e descobre quem ela é.

E minha geração não falava nada sobre envelhecer, quando você não pode mais ficar só na farra, quando existem pessoas que você tem que cuidar.

Vi que há batalhas que não estão sendo vencidas, queria abordá-las e também celebrar ser uma mulher mais velha, porque, sem modelos de mulheres mais velhas, continuaremos com o mesmo problema: quando você passar a ter uma certa idade somos vistas como inferiores e descartáveis.

Há muito a ser dito sobre se tornar mais sábia, saber exatamente quem você é.

Se nossas mães e avós não forem heroínas, com voz no mundo, o feminismo estará preso apenas às jovens que lutam as batalhas.

Vamos começar entusiasmando as meninas sobre a ideia de envelhecer e vamos fazer isso juntas, celebrar a idade que cada uma tem e mudar esse mundo ferrado.

BBC: Por que você diz que as mulheres passam a vida como num pêndulo: ou não somos suficientes ou somos demais?

Moran: A insegurança das mulheres passa pela ideia de que não somos inteligentes o suficiente.

Sou convidada para vários programas na BBC e eles me pedem para falar sobre algo e eu digo, "bem, não sou especialista nesse assunto, então não vou".

Pesquisas dizem que, quando os homens são chamados, eles falam: "Não sou de fato um especialista, mas eu vou".

Nós só fazemos as coisas apenas se somos superqualificadas.

E, no outro extremo, parece que ocupamos muito espaço, falando demais, exigindo demais.

Queremos mais para nossas vidas e isso está deixando os outros com raiva, então sentimos que devemos nos tornar menores, mais humildes, mais educadas e não pedir tanto.

Esses parecem ser os dois extremos entre os quais as mulheres se movem. E o centro é saber com calma quem você é. É a nossa aspiração.

BBC: Em Como Ser Mulher você diz que uma das vantagens que temos é curtir a sexualidade. Porém, você alerta que a pornografia está passando uma ideia errada para os jovens sobre sexo...

Moran: Em nosso desenvolvimento, desde o final da infância até a adolescência, há uma janela de 5 a 10 anos na qual adquirimos nossas fantasias e preferências sexuais.

Se 94% dos jovens veem a pornografia de hoje, essa se torna sua ideia de sexo. É tão limitado e tão focado no prazer masculino que você quase nunca vê um orgasmo feminino. Não estamos falando de consentimento, pois sexo é algo que acontece com a mulher, algo que o homem fará com ela. É muito destrutivo, não é divertido, não é alegre, não é sobre duas pessoas fazendo algo juntas.

Acho que essa é outra razão pela qual tantas meninas têm medo de se tornarem adultas, porque a sexualidade é uma grande parte disso. E se o sexo que as jovens assistem é pornografia, violência, ser esbofeteado, mordido e estrangulado, por que elas iriam querer fazer sexo e por que elas iriam querer crescer?

Se é o que você gosta, tudo bem, mas me parece que a variedade que vemos não é suficiente, não é o que eu quero para minhas filhas. Isso não é sexo, é pornografia e precisamos ter essa conversa.

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