Acaba em noite fria em quarto de hotel em Paris. Ou em lugar nenhum, quando fica decidido que é hora de acabar. Acaba quando a esperança mais tola estende sua rodilha e dá o bote. Entre as notas de uma canção que lembra quando fomos felizes e a saudade do que fomos mata o que nos tornamos para fazer renascer o que éramos.
Acaba em um café que inunda de calor as zonas frias da alma. Em uma taça de vinho. Duas taças de vinho. Talvez na terceira ou quarta quando a dor já se afogou e nadamos de braçada no rio de uma nova embriaguez. A dor acaba em uma conversa, abraço inesperado, risada desbocada, telefonema para dizer que ela- ou ele- é seu universo em expansão. Em um quarto e sala, nas zonas, nos jardins das mansões, que dor não faz distinção.
Acaba na sedução escancarada do verão ou na primavera quando o coração é mais flor. Outono e inverno servem para que sejam inventadas. Acaba em um pôr do sol em que a beleza é tanta, tanta, que compreendemos que nenhum desperdício é mais possível. A dor acaba quando desistir se torna maior do que querer.
A dor acaba escondido, com vergonha de não ser mais importante. Em som, fé, sexo, como o mundo. Acaba quando o mormaço exaure, quando cai a gota que falta. Quando a última lágrima é chorada, o perdão tarda, e tudo perde sentido. Quando se para de forçar a barra do destino. Acaba na Boate Azul ou em outra cama qualquer.
Acaba quando a memória vira fumaça e as razões para doer ficam nebulosas. Quando adormecemos, que dor nunca dorme com medo de perder o caminho de volta. Acaba quando a amortecemos por uma lembrança boa, uma reza de cura, um sorvete de jaca. Quando não mais se finge que é dor a dor que deveras se sente. Quando um fogo queima e deixamos que arda até o ponto. Que o inferno são os outros.
A dor acaba quando é mandada de volta ao remetente em um envelope pardo com sobrenome. Até a dor que não acaba, um dia acaba, porque a vida cansa de existir a míngua, e estar vivo é uma dádiva na cuia vazia de esmoler. E isso basta para ir em frente.
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