segunda-feira, 26 de setembro de 2022

Crônica de segunda

 

Ribeiro Fogareiro, o Filósofo

 Ribeiro Fogareiro é um filósofo. Comerciante aposentado, preenche os seus dias jogando biriba e conversa fora no Boteco do Vital. É da sua verve a máxima: “Trabalho é roubo, estudo é ilusão. Vamos beber”. E assim ele vai tocando a vida, filosofando. Entre um gole e outro de folha bem curada, ele vai concretizando o seu pensamento filosófico em sentenças que divertem os seus amigos.

Outro dia deu um rolo retado porque um jornalista imprudente e inconfidente (não digo que foi Cristóvam Aguiar nem que me torturem), publicou uma das suas sentenças no jornal. Dizia Ribeiro que: “Por trás de todo homem bem sucedido, tem uma mulher. Por trás de todo homem quebrado, tem duas”. Cristóvam publicou e Ribeiro se ferrou. Não me perguntem como, porque não dá pra dizer assim de um modo explícito. Deixa pra lá.

Ele atualmente anda encucado com um fato que o tem atormentado. É que Cristóvam Aguiar, frequentador assíduo do Boteco do Vital, comprou um carro que, na sua lógica, nenhum ladrão em sã consciência vai querer roubar. Daí que ele não entende porque o jornalista tranca o carro toda vez que para na porta do boteco. Atitude totalmente incompreensível para a mente do filósofo do Fogareiro. Aliás, o carro é tão esquisito que o próprio dono já chegou à conclusão de que se trata de um autêntico “Chevrofordcorcelopalafusca”. “Quem vai querer roubar aquilo”,  comenta, irritado, o nosso Ribeiro.

Pra complicar ainda mais a mente do filósofo, o jornalista outro dia declarou que, desde os seus 18 anos, não paga a nenhuma mulher pra transar. Foi demais pra Ribeiro. Ele subiu nos chinelos e lembrou que, hoje em dia, até gay tá querendo pagamento, quanto mais prostituta. “Esse Cristóvam quer é acabar comigo”, se queixa o filósofo aos amigos.

E foi assim, com a mente um tanto confusa, que ele procurou o gerente de um banco para aumentar o limite do seu talão de cheques. Dizem que gerente de banco, puta e jogador de futebol só respeitam quem tem muito dinheiro, o que não é o caso do nosso herói. Daí que o gerente exigiu mundos e fundos para aumentar o limite do cheque especial de Ribeiro.

Providencia documento, traz comprovantes (até de que não está morto), contracheque da aposentadoria, avalista e o escambau de Mussurunga, como diria o confrade Armando de Oliveira. Depois de muitas idas e vindas, cumprindo todas as exigências do banco, nosso filósofo viu-se sentado em frente à mesa do gerente, aguardando receber o talão já com o limite aumentado.

Foi aí que o gerente deu o tiro de misericórdia: “Tudo pronto, só falta agora o senhor me dizer que contrapartida o senhor tem para dar ao banco”.

Ribeiro, estupefato, questionou: “Mas depois de tanta exigência, eu ainda vou ter que dar alguma coisa?”

“Claro! –respondeu o gerente – Sem contrapartida o banco não faz o negócio”.

Ribeiro pensou um pouco, levantou-se, pegou o gerente pelo braço e o foi conduzindo em direção aos fundos da agência, dizendo baixinho em seu ouvido: “O jeito então é o senhor me acompanhar até o banheiro, porque a única coisa que eu ainda tenho e que posso lhe dar é o fiofó”.

NE: Crônica publicada no livro A Levada da Égua e Outras estórias... (2004)

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