domingo, 6 de novembro de 2022


 * Carro de bois *

 

            Não sou de ditirambos, ao acaso. Mas, meus correspondentes Prima Luíza e Jotapê, não consanguíneos entre si, cujos caminhos ora cruzam com os meus - à parte das louras gélidas, cuja companhia em dias frios pouco apetece - têm sido a colmeia inspiradora onde sequestro favos, em doces momentos para cozinhar letras e sentimentos. Em tal vai-e-vem, temos nos nutrido: correspondência, uma quase convivência. 

A vida é viagem de ida: sequência de experiências enriquecidas, a mais ou a menos, a depender com quem nossos caminhos cruzam. Relação de dependência, que confere ao trecho dividido pelos interlocutores, característica própria e sem similaridade. 

Assim, com minha rotina enriquecida e insuflada pelos pensares da dupla, temo o temor dos tenores em emudecerem. 

Na verdade, até aqui temos fincado pés, apenas, na cozinha de nossas casas. 

Ainda, não andamos pelos barrentos solos massapé do Recôncavo Baiano nem pelos vales entre os montes das Alterosas. Atoleiros, onde o carro de bois com o baú de minhas crenças e descrenças, atola em dias de muita chuva. Quando atola, parado fica no aguardo do bom tempo, dando-me tempo para entender minhas convicções não serem coincidentes com outras, mesmo sejam as da maioria. 

Escrevo para ser feliz. 

Não sou esgrimista de palavras, silente acolho o quanto vejo, ouço ou leio. Caso divirja, medito: tomo o visto, o ouvido ou o lido, por mais um tempero a testar no preparo de novo prato. Afinal, não vejo motivo para contestar preferências distintas. Posso partir delas inclusive para catapultar as minhas. Aliás, como bem, e de forma divertida, Prima Luíza, há pouco, vem de fazer ao tratar dos substantivos com os quais nos referimos a nossos respectivos cônjuges. 

Por certo, há mil coisas outras em comum, auxiliares no desafio em se fazer das ditas, sejam desditas ou não, o abrigo de nossas ilusões. 

Aceitar-nos mutuamente, com nossas (des) crenças é meio caminho rumo à felicidade, mesmo seja tão efêmera quanto a meditação sobre um simples pensamento. 

O restante, são respingos de poesia a nos salpicar, mortais comuns que somos sujeitos a chuvas e trovoadas. 

Um ranger suave a nosso carro de bois é meu desejo, mas se vez ou outra ao atolar em solo hostil, ranja diferente, não esqueçamos: o carro-vida só anda para frente.



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