* Duas almas *
Segundo Machado de Assis - no magistral
conto “O Espelho” - ao esboçar uma nova teoria da alma humana, todos temos duas
almas. A imperceptível, com seus dilemas e problemas – vezes muitas mal
conhecidos por nós mesmos - e a alma exterior: a imagem percebida pelos outros,
a refletida no espelho.
A alma interna é invisível, como invisíveis são os fumos de dentro dos charutos. A alma externa é a vestida de verde-amarelo em dias da Copa; aquela pela qual queremos ser reconhecidos; corresponde aos fumos que revestem os charutos, suas “capas” mais precisamente.
A busca do perfeito balanceamento,
tornando-as tão próximas, uma da outra, quanto possível, nos transforma em
seres equilibrados, ajustados à realidade. Igualmente aos charutos. De nada
vale uma “capa” de excepcional
cromaticidade - alma exterior belíssima - se faltar-lhe a essência:
combustibilidade e queima uniforme. Mil vezes melhor, a recíproca.
Embora o mundo costume julgar pelas
aparências, a tudo e a todos, bem sabe-se serem elas, em dados momentos,
enganosas. Diz-se, “por causa de cara
feia, perde-se bom coração”: são as duas almas emergindo no oceano da
sabedoria popular.
Nossos charutos - mesclas compostas
pelos mais nobres fumos da Bahia - privilegiam a alma interior brasileira, não
enganam. Por tal motivo, fumadores experientes, ao empunharem-nos, ‘fecham os olhos’ para alguma eventual
imperfeição estética externa. Ao acenderem-nos, permitem a fusão das duas
almas, e percebem o quanto teriam perdido se julgassem pela ilusória aparência.
Em minhas enfumaçadas crônicas, deixo
entrever quase sempre muito de minh’alma externa e, vez ou outra, um pouco da
alma interior. Atingirei a perfeição quando aquela se igualar a esta, esforço
dispendido ao longo dos últimos quarenta anos.
No desfrute dos charutos, as coisas
transcorrem no mesmo diapasão. A
perfeição está no descobrir-se o justo equilíbrio. Diziam os latinos: “in medio virtus”: virtude que habita
entre a moderação vidente - tutora da sabedoria - e o prazer cego - capaz de
levar a todos os desatinos. Aí, tal qual o moto-perpétuo de Paganini,
retornamos ao começo desta crônica.
Desligue-se do mundo. Ao encontrar-se
com seu próximo charuto, concentre-se e, em pensamento, aproxime as
almas dele, às suas. Adeus conflitos. Fruto de tal simbiose você sentir-se-á,
por certo, outro homem.
Do fundo d’alma, almejo-lhe tal
encontro.
Até mais ler!
Hugo A. de Bittencourt
Carvalho,
economista, cronista, ex-diretor das fábricas de charutos Menendez &
Amerino, Suerdieck e Pimentel, vive em São Gonçalo dos Campos – BA.
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