sábado, 19 de novembro de 2022

 


* Duas almas *  

Segundo Machado de Assis - no magistral conto “O Espelho” - ao esboçar uma nova teoria da alma humana, todos temos duas almas. A imperceptível, com seus dilemas e problemas – vezes muitas mal conhecidos por nós mesmos - e a alma exterior: a imagem percebida pelos outros, a refletida no espelho. 

 

A alma interna é invisível, como invisíveis são os fumos de dentro dos charutos. A alma externa é a vestida de verde-amarelo em dias da Copa; aquela pela qual queremos ser reconhecidos; corresponde aos fumos que revestem os charutos, suas “capas” mais precisamente.

 

A busca do perfeito balanceamento, tornando-as tão próximas, uma da outra, quanto possível, nos transforma em seres equilibrados, ajustados à realidade. Igualmente aos charutos. De nada vale uma “capa” de excepcional cromaticidade - alma exterior belíssima - se faltar-lhe a essência: combustibilidade e queima uniforme. Mil vezes melhor, a recíproca.

 

Embora o mundo costume julgar pelas aparências, a tudo e a todos, bem sabe-se serem elas, em dados momentos, enganosas. Diz-se, “por causa de cara feia, perde-se bom coração”: são as duas almas emergindo no oceano da sabedoria popular.

 

Nossos charutos - mesclas compostas pelos mais nobres fumos da Bahia - privilegiam a alma interior brasileira, não enganam. Por tal motivo, fumadores experientes, ao empunharem-nos, ‘fecham os olhos’ para alguma eventual imperfeição estética externa. Ao acenderem-nos, permitem a fusão das duas almas, e percebem o quanto teriam perdido se julgassem pela ilusória aparência.

 

Em minhas enfumaçadas crônicas, deixo entrever quase sempre muito de minh’alma externa e, vez ou outra, um pouco da alma interior. Atingirei a perfeição quando aquela se igualar a esta, esforço dispendido ao longo dos últimos quarenta anos.

 

No desfrute dos charutos, as coisas transcorrem no mesmo diapasão.  A perfeição está no descobrir-se o justo equilíbrio. Diziam os latinos: “in medio virtus”: virtude que habita entre a moderação vidente - tutora da sabedoria - e o prazer cego - capaz de levar a todos os desatinos. Aí, tal qual o moto-perpétuo de Paganini, retornamos ao começo desta crônica.

 

Desligue-se do mundo. Ao encontrar-se com seu próximo charuto, concentre-se e, em pensamento, aproxime as almas dele, às suas. Adeus conflitos. Fruto de tal simbiose você sentir-se-á, por certo, outro homem.

 

Do fundo d’alma, almejo-lhe tal encontro.

       Até mais ler!

 

Hugo A. de Bittencourt Carvalho, economista, cronista, ex-diretor das fábricas de charutos Menendez & Amerino, Suerdieck e Pimentel, vive em São Gonçalo dos Campos – BA.

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http://livrodoscharutos.blogspot.com

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