sábado, 18 de março de 2023

 


*Charutos amantes*

   Participar em certas ordens secretas, requer a apresentação por um dos seus integrantes, a aprovação pelos demais membros, a iniciação, a continuada presença e o estudo para o aperfeiçoamento. A rigor, não é somente em ordens tais, que as coisas assim funcionam. De modo geral, em tudo na vida e ela mesma, excetuando-se um ou outro dos requisitos elencados, as coisas seguem a sequência ingresso, iniciação, participação e estudo. A Confraria Charuteira, tirante a aprovação pelos seus integrantes, não foge à regra. 

Belo dia, você é apresentado ao charuto. Se o for por um amigo as coisas ficam mais fáceis. Se Você, entretanto, decidiu optar pelos puros, cambiando os cigarros por estes, ou porque julgou o ato de fumá-los charmoso e requintado, não conhecendo alguém da confraria, a iniciação se complica. 

Ingressar na arte e no prazer de fumar, requer conhecimento do ato em si, bem como de aspectos da intimidade e da vida dos mágicos rolinhos de fumo. No começo, eu sei, é difícil. Afinal o neófito não está acostumado a toda uma simbologia onde significante e significado se mesclam, transformando-se em azuladas fumaças. 

Baseado em minha experiência, afirmaria que o novato, para ingressar na Ordem Charuteira, não deveria começar tentando acender seu primeiro charuto. Acendê-lo já é parte do rito e, fatalmente, por força do seu despreparo, será logo reconhecido com um estranho no ninho.

 Eu recomendaria, isso sim, que tendo em mãos uma caixa de puros fosse, aos poucos, desvendando seus segredos e mistérios. Para isso deveria valer-se de três dos seus sentidos. Como se fosse um novo amor. Com o tato, apalpando-os; com o olfato, inebriando-se com seu perfume; com os olhos, reconhecendo-os. Enfim, o pretendente deve, antes de tudo, enamorar-se. 

Ninguém sai do namoro para o casamento de forma instantânea. Para casar, é recomendável que o cônjuge conheça o máximo possível da vida do futuro consorte. Por isso, durante o enlevo inicial, ouvir amigos mais experientes no métier, mal nenhum faz. Ao contrário. 

Nada de pressa. Inimiga da perfeição a pressa, a quem pretende aprender a degustar charutos, provoca – quantas vezes vi – engasgos, enjoos, tonturas, mal-estares. Não se deve ir com muita sede ao pote. Ai daquele que, sem ser iniciado, atreva-se! Faz-se mister, presença amiga e experiente para mostrar como beber a água toda, sem afogar-se ou, no caso, como degustar o puro sem a inadequada pressa de amores furtivamente mal vividos. E, findo o charuto, aprendendo a curtir o retrogosto, saber arquivar no relicário íntimo, os aromas, perfumes e sabores daqueles momentos de prazer vividos na ímpar companhia consumida. 

Com um detalhe: charutos não são amantes fugazes, assim encarados não servem. São amores quando chegam, respeitado o ritual iniciático, chegam para a vida inteira. Não se deve, também, levar em conta a frequência, se diária, semanal ou mais espaçada. Quem dá o ritmo é o iniciado, na medida que o mesmo lhe apraza. 

Importante é você, após ingresso na Ordem, a cada momento eleito para o declarado gesto de amor, proceder com crescente arte, engenho, perfeição e zelo. Como recomendo aja sempre ao dar vida a seus charutos. 

Sempre como se fosse um novo amor, vivido com a experiência acumulada de amores antigos.

 

Hugo A. de Bittencourt Carvalho, economista, cronista, ex-diretor das fábricas de charutos Menendez & Amerino, Suerdieck e Pimentel, vive em São Gonçalo dos Campos – BA

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