*Adeus
a um amigo*
Felix, previdente, em vida ajustara contas antecipadas com uma agência funerária. Até aí, para mim, nenhuma novidade. Assim como fazia em outra cidade suas apostas na Sena, de igual forma teve o cuidado de contratar os serviços póstumos em empresa sediada na capital do estado.
Durante uma hora, urna funerária aberta à visitação pública, aconteceram as derradeiras despedidas por parte de seus poucos familiares e muitos amigos, estes, em sua maioria, funcionários e ex-funcionários da fábrica de charutos.
Foram tocantes as manifestações de afeto e reconhecimento da ímpar personalidade do finado. Homem de muitos saberes, era capaz de derramar-se horas a fio sobre política internacional, conflitos bélicos passados e presentes, economia com suas flutuações de bolsas e moedas, tudo com extrema precisão e competência. Conhecia também, e muito, - igual característica de seus irmãos – armamentos de todos os calibres. Compreensivelmente detestava a Fidel Castro bem como a Che Guevara e idolatrava Generalíssimo Franco, por la gracia de Diós. Viva Franco y arriba España!
Não irei me ater a seus dotes no ramo charuteiro, seria chover no molhado. Foi a mais pura expressão da alma charuteira. De seu pai herdara o amor pelos rolinhos mágicos de fumo. Na matéria, de tudo entendia e resolvia equacionando a complexa relação das misturas de tabacos para garantir perfeita combustibilidade e sabor homogêneo.
Desde então, não mais esteve em seu posto o timoneiro-mor da grande fábrica e eu não mais com quem durante 39 anos, muito aprendi.
A cerimônia, na morada última do fugidio comparsa foi singela, como devem ser casos tais. Nada de palavrórios, nem discursos vagos. O que deveria ser dito – e o foi com ímpar propriedade – saiu da boca de Renato Tadeu, velho funcionário da empresa, quando da missa de corpo presente.
Tadeu, com a vocação dos detentores do
dom de servir ao próximo, somada à experiência de também haver compartilhado os
saberes de Félix e de lhe ter sido delegada, pelo próprio, a função de proceder
a elegia, em sua fala emotiva fez-me chegar às lágrimas. Obrigado amigo Tadeu
por, então, permitires desafogar a pressão que me sufocava.
Como também, permanecem vivas as cinzas
dos meus antepassados, traduzidas por amareladas cartas e descoloridas fotos
que, teimosamente, guardo.
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