domingo, 19 de março de 2023

 


*Adeus a um amigo*

 

 Exatos dez dias antes do Natal de 2018, compareci à cerimônia de sepultamento de meu amigo Félix Menendez.

          A morte, além do derradeiro, é um dos mais significativos ritos de passagem da existência. Aqueles que, como eu, têm na estação inverno o alongado período de suas vidas, são fadados a encarar tal rito inumeráveis vezes. Viver muito é colecionar mortos, é converter o coração em deserto de amizades. 

         Felix, previdente, em vida ajustara contas antecipadas com uma agência funerária. Até aí, para mim, nenhuma novidade. Assim como fazia em outra cidade suas apostas na Sena, de igual forma teve o cuidado de contratar os serviços póstumos em empresa sediada na capital do estado.

          Dentro do rito das exéquias, decidiu-se não realizar a cerimônia do noturno velório ou ‘sentinela’, como queiram. O corpo permaneceu aos cuidados do agente funerário em Feira de Santana, vindo para São Gonçalo dos Campos, na manhã seguinte onde chegou às 9:00h, na Igreja Matriz da cidade. 

         Durante uma hora, urna funerária aberta à visitação pública, aconteceram as derradeiras despedidas por parte de seus poucos familiares e muitos amigos, estes, em sua maioria, funcionários e ex-funcionários da fábrica de charutos. 

         Foram tocantes as manifestações de afeto e reconhecimento da ímpar personalidade do finado. Homem de muitos saberes, era capaz de derramar-se horas a fio sobre política internacional, conflitos bélicos passados e presentes, economia com suas flutuações de bolsas e moedas, tudo com extrema precisão e competência. Conhecia também, e muito, - igual característica de seus irmãos – armamentos de todos os calibres. Compreensivelmente detestava a Fidel Castro bem como a Che Guevara e idolatrava Generalíssimo Franco, por la gracia de Diós. Viva Franco y arriba España! 

         Não irei me ater a seus dotes no ramo charuteiro, seria chover no molhado. Foi a mais pura expressão da alma charuteira. De seu pai herdara o amor pelos rolinhos mágicos de fumo. Na matéria, de tudo entendia e resolvia equacionando a complexa relação das misturas de tabacos para garantir perfeita combustibilidade e sabor homogêneo. 

Desde então, não mais esteve em seu posto o timoneiro-mor da grande fábrica e eu não mais com quem durante 39 anos, muito aprendi. 

         A cerimônia, na morada última do fugidio comparsa foi singela, como devem ser casos tais. Nada de palavrórios, nem discursos vagos. O que deveria ser dito – e o foi com ímpar propriedade – saiu da boca de Renato Tadeu, velho funcionário da empresa, quando da missa de corpo presente. 

         Tadeu, com a vocação dos detentores do dom de servir ao próximo, somada à experiência de também haver compartilhado os saberes de Félix e de lhe ter sido delegada, pelo próprio, a função de proceder a elegia, em sua fala emotiva fez-me chegar às lágrimas. Obrigado amigo Tadeu por, então, permitires desafogar a pressão que me sufocava.

          Félix agora repousa na paz do cemitério municipal de São Gonçalo dos Campos. Não havendo serviço de cremação em Feira de Santana – vontade inicial de sua filha – as cinzas do Bruxo Charuteiro, simbolicamente, restarão na combustão dos charutos produzidos pela fábrica à qual dedicou sua vida. 

         Como também, permanecem vivas as cinzas dos meus antepassados, traduzidas por amareladas cartas e descoloridas fotos que, teimosamente, guardo.



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