Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio; não seremos nós, nem o rio, o mesmo. Lembrei da frase de Heráclito de Éfeso enquanto dirigia para o trabalho pela rua cheia de sol, de uma luz quase brilhante, invasiva, saneadora. Subitamente, março, havia chegado, e, em uma quarta-feira. Março, terceiro mês do ano no calendário gregoriano, é um mês diferente, não só pelas águas que fecham o verão, mas porque é tomado pela seriedade, sendo quase uma heresia manter o dolce far niente em período de tão absoluta dedicação laboriosa.
Habita em nós,
de dezembro a fevereiro, um relaxamento, e perdão por tudo que fazemos – olhar
as moças cada vez mais lindas, beber toneladas, não ir trabalhar com desculpa
esfarrapada, aplaudir aquele pôr do sol definitivo ou, pelo menos, definitivo,
até o ano que vem.
Março, não. Março requer gravata, cartão de ponto,
produtividade, e esquecimento do verão passado. Se no período anterior salvamos
a alma do bolor do tédio, da indiferença amorosa, e do cotidiano igual, em
março, fazemos a regeneração do corpo dos excessos cometidos e das contas
estouradas. Não é à toa que na Roma Antiga ele era o primeiro mês do ano,
chamava-se Martius, de Marte, deus romano da guerra, e marcava o início das
campanhas militares.
Março é o
colapso do verão, aquele em que as mulheres readquirem a habitual compostura-
pelo menos as que saem ilesas- e os homens contam no escritório ilusórias
aventuras. Sempre foi assim, todo março, igual. Menos esse. Ele se apresentou
com um mormaço ameaçador, desordem climática, tragédias itinerantes,
beligerância perigosa e ameaçadora entre os grandes cães do mundo, perdas
irreparáveis, surtos de violência individuais e canalhices inesperadas.
Vamos com calma, março, devagar com o andor que o santo é de barro e não temos como suportar essa dose maciça de realidade. Não temos culpa se as mulheres se vestem, se a conversa fiada escasseia, se botaram água no chope da vadiagem do fim do ano. Não me venha com sua cara de enfezado terceirizando sua culpa pela má localização no calendário lunar. Como diz esse povo baiano arretado que bate tambor: se não aguenta vara peça cacetinho.
Pegue visão! E tome tento.
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