O Circo
O circo, seus animais, artistas, bandas de música. A mulher barbada, a outra que vira bicho, o ousado trapezista, o valente domador, o misterioso magico e as lindas mulheres rumbeiras, estarão sempre nos sonhos e lembranças das crianças da minha geração.
Depois o
circo ficou... diferente. Perdeu o glamour e a magia que encantava a crianças e
adultos, e passou a ter outros objetivos. Em Salvador tinha o Circo Voador,
onde havia peças de teatro e shows de MPB. O jornalista e produtor artístico
Paulo Norberto, montou um circo em Cabuçu para realizar shows musicais para os
veranistas feirenses. O circo de verdade, na sua versão original, perdeu espaço
e hoje, muito raramente, algumas imagens suas ainda aparecem nas frias telas
dos receptores de TV.
Alguns poucos
remanescentes permaneceram numa inútil luta pela sobrevivência, com suas lonas
rasgadas simbolizando a sua irreversível decadência. Lembro-me que morava em
Itaberaba quando por lá apareceu um circo próximo onde eu morava e, como
a cidade não oferecia muitas opções de lazer, inventei de inventar de ir ao
circo. Levei todo mundo, inclusive um casal amigo que estava nos visitando. Não
foi, realmente, uma boa ideia. Até hoje Madalena de Jesus, quando quer me
sacanear, pergunta: De quem foi a ideia de ir ao circo?
Mas, mesmo os
circos mambembes, os chamados “tomara que chova”, em priscas eras tiveram seus
momentos de glória. Foi em um destes circos pequenos que assisti ao show de um
palhaço que até hoje, quando me lembro, começo a rir. Falava ele sobre a
diferença entre o rico e o pobre. O tema é recorrente, mas continua atual.
Segundo o palhaço, quando o filho do rico começa a chorar, a madame diz à babá:
“Clemilda, veja por que o neném está chorando! Dê uma chupetinha pra ele”. Já a
mulher do pobre, quando o filho chora, a reação é mais ou menos assim: “cala
boca, diabo, tu nasceu pra me atentar...”!
Se o marido
está no trabalho, a mulher do rico lhe telefona: “Meu bem, o que você quer
comer hoje? Posso fazer uma lasanha, um filé com trufas, ou lagosta com molho
de camarão?” Já a mulher do pobre, quando dá meio-dia o marido ainda está
trabalhando no roçado, quando ela chega até a porta da tapera e grita: “João!
Anda logo home! Senão os minino come tudo!”
Mas quem me fez rir mesmo foi canelinha, um
palhaço que se apresentou num circo lá no sertão, na cidade de Novo Amparo,
hoje chamada Heliópolis. Naquele tempo, o circo ainda era uma grande atração, e
naquele fim de mundo, a chegada de um circo, ainda que mambembe, era motivo de
alvoroço em toda a cidade.
Lá morava
dona Maria, senhora recatada que criava uma jovem adolescente, a qual mantinha
guardada a sete chaves, livre do alcance dos moleques mal intencionados. Acontece
que dona Maria era tarada por um circo, e logo se animou a com parecer ao
espetáculo daquela noite. O circo era tão mambembe que os espectadores que
quisessem assistir a função sentados, teriam que levar seus respectivos
assentos.
À noite, dona
Maria chegou cedo com a filha, levando seus banquinhos e se assentaram no
melhor lugar, bem perto do picadeiro. Numa bodega próxima, Antônio Soldado
enchia a cara de pinga, esperando o espetáculo começar pra ele se achegar.
Começa a
função. Bailarinas, trapezistas, mágicos e, é claro, palhaços. Dona Maria e sua
formosa filha à tudo assistiam, extasiadas, batendo palmas e pedindo mais.
Canelinha começou seu show fazendo perguntas do tipo: Por que o cachorro entrou
na igreja? Quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? Quem é o pai do filho de
Zebedeu?
Tava tudo
muito bem, até que ele apelou, perguntando: “Onde é que a mulher tem o cabelo
mais duro?” Dona Maria fechou a cara, levantou-se, pegou o banquinho e a filha
e foi saindo, dizendo revoltada: “Vambora, minha fia, qui esse negócio não vai
prestar”!
Quando ela ia
saindo, deu de frente com Antônio Soldado que ia entrando, ainda com uma
garrafa na mão, que lhe perguntou: “Oxente dona Maria! Já vai embora? O
espetáculo já terminou?”
- Terminou
não Antonhe! É que o palhaço tá começando a dizer imoralidade. Nem respeitou
minha fia dimenó. Imagine que ele tá perguntano onde é que a muié tem o cabelo
mais duro.
Antônio
Soldado não se fez de rogado, para defender a moral e os bons costumes da
família amparense. Pegou dona Maria pelo braço e disse:
- Oxente.
Dona Maria, se avexe não. Vamo vortá lá pra dentro. E se ele disser que é na
buceta, eu encho ele de bala...
NE: Publicada no livro Sempre Livre (2010)
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