* ‘Niver’ de Arturo *
Acomodado à varanda do sítio, onde habitualmente, na falta de ocupações outras, descarrego energias, deleito-me com a copiosa chuva e aproveito o ócio contemplativo para dar vazão à voz que à escrita me impele.
Em tempos recentes, tenho farejado por demais o local onde me encontro. Explica-se. Até dezembro de 2018, voltado estive, por quatro anos, às lides atreladas à vida de um de meus filhos, então jogador de futebol.
Não tinha, portanto, tempo bastante para dedicar-me ao sítio, por isso semiabandonado. Foi quando, pela inopinada mudança no rumo da vida, naufrágio da jangada dos sonhos dos esportivos mares - dado a hábitos despegados de nada fazer -, voltei-me aos verdes ares. Assim, a par de oxigenar pulmões, exigidos por mais de meio século por saudoso amor charuteiro, - do qual, como outros tantos, não me arrependo – também oxigeno a mente.
Mente que luta, por se escafeder das mesmices e sensaborias das comunicações como um todo. Mas, ora não estou só. Sou acompanhado por uma das louras-paixões novas do homem velho, a qual, curiosa, quer saber de minhas andanças.
Indaguei-lhe o porquê de tal curiosidade. Ela, com ar de malícia, próprio das louras que, com propriedade ímpar, sabem molhar-nos os lábios com especiais doçuras, arguiu se porventura eu esquecera, noite passada, em meio a pró-secos, uísques, licores e afins, fora dos poucos a ela dedicado de corpo e alma, pelo tempo de três horas, três garrafas e muitos boleros. Nem mais, nem menos.
Tudo isso, prosseguiu a loura, malgrado a insistência dos circunstantes para que dela eu abdicasse em favor da proclamada ‘bebida para homem’. Como fazê-lo, provoquei os protestantes, se as mulheres sempre foram meu ponto fraco.
A tais assédios, somava-se a tentação dos charutos, cujas fumaças ascendiam ao teto em busca de olfatos afeitos ao faro de festas.
Festas, disse-o bem. Comemoravam-se invejáveis oitenta e quatro anos de Arturo Toraño, ‘master-blend’ da fábrica de charutos, empresa responsável por finar meus dias em São Gonçalo dos Campos.
Mesa farta. Petiscos e iguarias ‘cordon-bleu’. Bobó de camarões de assanhar papilas. Doces em profusão. Música caribenha. Reencontro com amigos da cidade.
O aniversariante e sua mulher, baiana de Cruz das Almas, gente de meu afeto desde priscas eras, eram só cuidados. Desfaziam-se em gentilezas e atenções para com os convivas. Noite agradabilíssima, quase fez-me esquecer dois grandes ausentes, apressados viajantes, quando em iguais momentos pretéritos, cada qual a seu modo, lotavam-nos de alegria com suas irreverências, detonadas pelos eflúvios etílicos no avançar da noite e das horas.
Pessoalmente, no diálogo com a curiosa e questionadora loura, segredei não tornar pública e sim guardar para mim, as saudades do bruxo charuteiro Félix Menendez e do médico de todos nós, Clóvis Borja.
Em momento de olhar distante e abandonado,
tendo alguém se apercebido de eu assim estar, desconversei. Ative-me ao
aniversariante, que com os seus desvelos, bandeja às mãos, passos vacilantes,
atestava estar desregulada a calibragem do seu andar devido a compreensível
redução no nível das garrafas de scotch.
Todavia,
insiste a dúvida: terá sido a lente rosa ou a loura teimosa, cá a meu lado
novamente?
Rosados
abraços.
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