domingo, 9 de julho de 2023

 


* ‘Niver’ de Arturo *


  Ao passear por estas linhas, estamos a uma semana do início da estação inverno 2019. 

Acomodado à varanda do sítio, onde habitualmente, na falta de ocupações outras, descarrego energias, deleito-me com a copiosa chuva e aproveito o ócio contemplativo para dar vazão à voz que à escrita me impele. 

Em tempos recentes, tenho farejado por demais o local onde me encontro. Explica-se. Até dezembro de 2018, voltado estive, por quatro anos, às lides atreladas à vida de um de meus filhos, então jogador de futebol.

 Treinos diários, viagens a Feira de Santana idem. Finais de semana, às voltas com disputas em estádios de cidades diversas. Recordo haverem sido momentos deveras agradáveis, os quais teimam em meus contumazes devaneios. 

Não tinha, portanto, tempo bastante para dedicar-me ao sítio, por isso semiabandonado. Foi quando, pela inopinada mudança no rumo da vida, naufrágio da jangada dos sonhos dos esportivos mares - dado a hábitos despegados de nada fazer -, voltei-me aos verdes ares. Assim, a par de oxigenar pulmões, exigidos por mais de meio século por saudoso amor charuteiro, - do qual, como outros tantos, não me arrependo – também oxigeno a mente. 

Mente que luta, por se escafeder das mesmices e sensaborias das comunicações como um todo. Mas, ora não estou só. Sou acompanhado por uma das louras-paixões novas do homem velho, a qual, curiosa, quer saber de minhas andanças. 

Indaguei-lhe o porquê de tal curiosidade. Ela, com ar de malícia, próprio das louras que, com propriedade ímpar, sabem molhar-nos os lábios com especiais doçuras, arguiu se porventura eu esquecera, noite passada, em meio a pró-secos, uísques, licores e afins, fora dos poucos a ela dedicado de corpo e alma, pelo tempo de três horas, três garrafas e muitos boleros. Nem mais, nem menos. 

Tudo isso, prosseguiu a loura, malgrado a insistência dos circunstantes para que dela eu abdicasse em favor da proclamada ‘bebida para homem’. Como fazê-lo, provoquei os protestantes, se as mulheres sempre foram meu ponto fraco. 

A tais assédios, somava-se a tentação dos charutos, cujas fumaças ascendiam ao teto em busca de olfatos afeitos ao faro de festas. 

 Festas, disse-o bem. Comemoravam-se invejáveis oitenta e quatro anos de Arturo Toraño, ‘master-blend’ da fábrica de charutos, empresa responsável por finar meus dias em São Gonçalo dos Campos. 

Mesa farta. Petiscos e iguarias ‘cordon-bleu’. Bobó de camarões de assanhar papilas. Doces em profusão. Música caribenha. Reencontro com amigos da cidade. 

O aniversariante e sua mulher, baiana de Cruz das Almas, gente de meu afeto desde priscas eras, eram só cuidados. Desfaziam-se em gentilezas e atenções para com os convivas. Noite agradabilíssima, quase fez-me esquecer dois grandes ausentes, apressados viajantes, quando em iguais momentos pretéritos, cada qual a seu modo, lotavam-nos de alegria com suas irreverências, detonadas pelos eflúvios etílicos no avançar da noite e das horas. 

Pessoalmente, no diálogo com a curiosa e questionadora loura, segredei não tornar pública e sim guardar para mim, as saudades do bruxo charuteiro Félix Menendez e do médico de todos nós, Clóvis Borja. 

 Em momento de olhar distante e abandonado, tendo alguém se apercebido de eu assim estar, desconversei. Ative-me ao aniversariante, que com os seus desvelos, bandeja às mãos, passos vacilantes, atestava estar desregulada a calibragem do seu andar devido a compreensível redução no nível das garrafas de scotch.

 Por isso, entre uma e outra loura, apressei-me em fotografar os fatos com lente rosa que tudo faz luzir maravilhoso.

Todavia, insiste a dúvida: terá sido a lente rosa ou a loura teimosa, cá a meu lado novamente?

Rosados abraços.



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