*Alma sertaneja*
Falar
do sertão me dá água na boca.
As coisas do sertão - conheci, já adulto, ao vir para a Bahia - conquistaram-me corpo e alma ou mente e coração, como apreciam os jornalistas. Para completar, fez-se sertanejo meu último quarteirão da existência: uni minha vida a uma descendente de sertanejos e nossos dois filhos, nasceram em Feira de Santana, a “Princesa do Sertão”. Preciso dizer mais?
Agora, imaginem! Um gaúcho criado na culinária sulista, hoje delicia-se com feijão tropeiro, carne de bode, carne de sol com pirão de leite, galinha caipira, ovos de quintal.
Ao falar das boas coisas do sertão, acresce lembrar o café da manhã daqui, ao qual acodem o cuscuz, a batata doce, a banana da terra, o inhame, a fruta-pão, o mingau de tapioca, a farofa de carne seca, o jerimum, os bolos de milho verde, de carimã e massa puba.
Pois é! O sertão tem o sabor de tudo isto. Cheira à visguenta jaca, precioso alimento das “merendas” dos trabalhadores rurais; sabe ao agridoce umbu, chupado como fruto ou transformado em umbuzada; lembra as ‘fufutas’ de milho ou amendoim - juntados ao açúcar cristal - trituradas no pilão - ingeridas às colheradas ao café da manhã, nas primas horas.
O sertão derrete-se em
sabores, como na mão da gente se esfarela a açucarada pinha; surpreende-nos com
seus cajus, amarelos e vermelhos, disputadíssimos para as deliciosas cajuadas
e, recortados, comporem os tragos das ‘caninhas’ para ‘abrir o apetite’.
A vocalidade sertaneja, por outro lado, parece ter sido moldada por tais sabores natos do viver desapressado. Os sons do linguajar do sertão são modulados por tons e frequências descansadamente musicais. Gostosos de ouvir. Delícias sonoras que, para abrandar os ‘nãos’ da vida, fizeram o homem do sertão adiar a negativa para após o verbo.
Pergunte ao
sertanejo algo que, porventura, ele não saiba.
Jamais, sua resposta
será um duro “Não sei!”.
Dirá, isso sim, num espichado sussurro - quase pedido de desculpas nascido no fundo d’alma - “Sei, não!”.
Assim é a alma
sertaneja.
Doce e delicada.
Incapaz de lhe fazer uma desfeita.
Hugo A. de
Bittencourt Carvalho, economista, cronista, ex-diretor das fábricas de
charutos Menendez & Amerino, Suerdieck e Pimentel, vive em São Gonçalo dos
Campos – BA.
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