sábado, 25 de novembro de 2023

 


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Predileções * 

         Queiramos ou não, nutrimos indisfarçáveis predileções. Amizades, lugares, vestuário, alimentos, bebidas, charutos, entre outros seres e estares, integram o rol provocador das mais diversas sensações: confiança, bem-estar, boa aparência, sabores marcantes, euforia, prazer. 

Gostos são regalos da vida. Por isso, na dúvida, sempre optamos por aquela companhia, aquele lugar, aquela roupa, aquela comida, aquela bebida, aquele charuto. 

O mais das vezes, tanto não é possível. Ora, o prato mais apreciado não integra o cardápio do restaurante. Por outro lado, seu lugar preferido não anda consigo; é você quem deve se deslocar até ele. Ora, sua bebida predileta não “casa” com o horário de seu trabalho. Sua roupa predileta, suponhamos seja a esportiva, não se adequa à sua atividade profissional. Única exceção em tal quadro: ‘seu’ charuto, este sempre o acompanha. 

Mesmo ante placas com a proibição de fumar, tê-los junto ao peito, apalpá-los, cheirá-los, a “ameaçar” alguns circunstantes e despertar inveja noutros, é motivo de auto regalia. 

Certa feita, com um grupo, em almoço de negócios, vivi a experiência. 

Após a refeição: sobremesa, licores, cafezinho, bate-papo. O aviso proibitivo, assemelhado às placas de trânsito, lá estava. Fiz-me de cego. 

Ao momento do licor, dei partida ao rito retirando, de forma delicada, o charuto da bolsa de celofane, o companheiro a meu lado cochichou: “Hugo, você viu o aviso?”. Fiz-me de surdo. 

Cortei o bico do puro, levei-o à boca e aspirei profunda e prazerosamente. Olhares hostis da mesa ao lado, quais dados certeiros, fulminaram-me. Fingi-me só. 

O maitre, gentil e educado, aproximou-se:

“Senhor. Desculpe-nos, mas não é permitido fumar neste local”. 

Ainda com o puro à boca, contestei:

“Não me leve a mal, mas vou continuar a ‘fumar’. Por acaso será proibido estar-se com um charuto, sem acendê-lo?”. 

Deixei-me assim ficar, para o gáudio dos companheiros da mesa, com o assunto descambando para o charuto e seus prazeres, mesmo sem ‘dar-lhe candela’. 

Agora, avalie-se a intensidade da satisfação no lugar, com a roupa e a bebida mais apreciados, casados com meu charuto, associados à predileção de escrever para amigos dados pelo destino. 

Podemos discordar em matéria de comidas, bebidas, roupas, lugares, fumo, o que seja. Mas certo é, a predileção pelas boas coisas da vida nos une, como fôssemos velhos conhecidos. 

 Hugo A. de Bittencourt Carvalho, economista, cronista, ex-diretor das fábricas de charutos Menendez & Amerino, Suerdieck e Pimentel, vive em São Gonçalo dos Campos – BA.

 [email protected]

http://livrodoscharutos.blogspot.com

 

 

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