Educar com amor ou com autoridade
As minhas professoras do primário eram verdadeiras mães para os seus alunos, tais os cuidados que dedicavam a eles. Quando dos meus exames de admissão para o ginásio, a minha professora nos esperava na saída das salas de provas e queriam saber como nos saímos em cada matéria. Um aluno reprovado era motivo de tristeza para ela. Aquelas professoras sentiam que de alguma forma falharam com aquele aluno reprovado, mas a gente sabia que nem sempre isso era verdade. Quase sempre o aluno é quem tinha dificuldade em aprender, reter os ensinamentos.
No
curso médio a coisa era um pouco diferente. Não éramos mais crianças, e sim
adolescentes. Rapazes e moças preparando-se para a vida adulta, mas, nem por
isso tivemos menos atenção e carinho dos professores que sempre demonstravam
amizade e respeito para com seus alunos. Sempre dispostos a orientá-los não só
com seus problemas curriculares, como também com os problemas que os
adolescentes têm e que, quase sempre, não comentam com seus pais. Uma espécie
de cumplicidade benéfica. Mas ali, eu já identificava alguns relacionamentos
não condizentes para com as relações alunos/professores. A puberdade e o uso de
drogas era uma mistura explosiva, principalmente por conta de alguns eventos
que estavam mudando o comportamento social no mundo. A descoberta da pílula
anticoncepcional, o movimento woman’s lib, o movimento hippie e o amor livre,
entre outras coisas, fervilhavam nas cabeças dos jovens e causavam uma
verdadeira convulsão, a caminho do estabelecimento de uma nova ordem, com novos
conceitos cívicos e morais.
Já prestes a concluir o
ginasial foi que se deu o meu primeiro entrevero com um professor. Eu não fui
com a cara dele logo de saída. Ele era autoritário, prepotente, e tratava a
todos com arrogância e descaso. Ele era promotor público e se achava o próprio
rei da cocada preta. Mas com as meninas ele era só doçura. Principalmente com
as mais bonitas. E na sala era senso comum que mantinha caso com uma das
alunas. Eu achava aquilo um absurdo, mas, como sempre, nunca fui capaz de me
envolver com problemas dos outros, a menos que me pedissem. Engolia a raiva. Eu
havia sido eleito líder da turma, e esse tal professor nos dias de prova,
dividia a sala em duas, onde metade fazia a prova e a outra metade folgava. A
direção do colégio me informou que quando isso acontecesse, e a última aula
fosse vaga, eu deveria pegar um bilhete do professor para entregar ao porteiro,
para que ele liberasse o pessoal que fosse sair. Isso aconteceu numa aula dele
e eu saí sem pegar o tal bilhete. Mas, em cima do rastro eu voltei, abri a
porta e disse: Professor, o senhor precisa me dar um bilhete para o porteiro
para que a gente possa sair. Ele simplesmente esbravejou disse que não iria dar
bilhete nenhum e bateu a porta na minha cara. Foi batendo e eu abrindo com um
pontapé, me respeite se quer ser respeitado! Ele chamou um sensor e mandou que
me levasse à diretoria que depois da aula ele iria prestar a queixa. Eu fui
tranquilo e alguns colegas me acompanharam até lá. O diretor me conhecia muito
bem, já que era inquilino do meu pai. Eu contei o que acontecera, os colegas
confirmaram, e ele me mandou pra casa. Não sei o que aconteceu depois, mas
ele simplesmente só me olhava de cara feia, mas nunca mais se fez de besta
comigo.
Mais tarde, já na universidade,
eu comecei a dar aulas de inglês num ginásio público. Mas, eu sempre ia além da
minha função e “inventava” atividades extracurriculares para as aulas vagas de
algumas turmas. E certa vez promovi um evento cultural, e estava ensaiando com
alguns alunos no teatro do ginásio, quando apareceram alguns vagabundos
adolescentes discutindo com o porteiro. E lá fui, numa boa, tentar convencer os
rapazes a sair. Eles deram de “brabos”, eu vi umas madeiras encostadas num muro
e disse ao porteiro: Vamos pegar uns pedaços de madeira naquela pilha ali e
vamos botar eles pra correr debaixo de porrada. Ele ficou receoso, mas eu o
convenci. Vá por mim que não vai dar em nada. Dito e feito. Cobrimos o cacete
nos vagabundos e botamos pra fora. Saí de lá direto para uma delegacia onde
prestei queixa e denunciei os vagabundos, relatando inclusive que eles usavam e
vendiam drogas nas proximidades do ginásio. Eu estava iniciando minha carreira
de jornalista, e já era conhecido na cidade. Nunca mais os vagabundos deram as
caras por lá. Mas, por que estou contando isso? Porque já ali começavam os
problemas que hoje aterroriza as escolas e prejudicam a Educação.
Eu fazia um grande
sacrifício. Estava casado e com um filho, trabalhava um turno no ginásio e
outro no jornal. Tive que deixar de ensinar para poder frequentar a
universidade. Era uma vida corrida. E havia no curso de letras, uma professora
que tratava os alunos como ginasiais. Um monte de gente de meia idade, alguns
já com filhos adultos e cheios de outros afazeres. E ela passava “dever de
casa”. Um dia, no auge da minha exaustão, vendo meu casamento desmoronar e sem
dar conta como devia, dos meus afazeres, a professora passou um “dever de casa”.
E olha que a gente já estava no quarto semestre. Eu, cansado, disse pra ela que
ali havia uma maioria de adultos, com outros afazeres e responsabilidades, que
não podiam se dar ao luxo de ser tratados como adolescente, e fazer dever de
casa. E ela cheia de arrogância, disse: Ah, meu filho! Estuda quem pode e
trabalha quem precisa. Eu respirei fundo, peguei minha mochila, e fui saindo
dizendo: Eu preciso trabalhar. A cidade perdeu um professor. Graças a Deus!
NE: Publicada em 2021.
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