Ao pé da letra
Publicamos no nosso blog uma crônica do jornalista José Carlos Teixeira, onde ele se reporta a uma notícia que leu num grande jornal soteropolitano, onde se dizia que as baleias passam boa parte do ano “no fundo do litoral de Salvador”. Como “litoral” é aquela faixa de terra que beira o mar, ele ficou imaginando as baleias tomando sol e bebendo cerveja em lata nas praias de Salvador. A ironia é válida, porque não é diretamente a quem escreveu a “barbaridade”, mas ao resultado da qualidade dos jornalistas que as universidades estão formando e colocando aos borbotões no mercado de trabalho. Têm dificuldade em aprender a lidar com a ferramenta com a qual irão trabalhar por toda a vida, que é a Língua Portuguesa.
É uma
língua cheia de “pegadinhas”, e há que se ter cuidado no seu uso. Todos nós
estamos sujeitos a cometer erros, mas basta abrir um jornal qualquer para se
notar a quantidade de “barbaridades” que se escreve. O jornalista Alexandre
Garcia é um crítico mordaz dos textos publicados atualmente em jornais pelo
Brasil afora. Há pouco tempo ele reclamava das seguintes manchetes: “Morreu
durante o sono ao lado da mulher e dos filhos”. O leitor fica imaginando que o
homem dormia com a mulher e os filhos numa mesma cama. Ou então essa: “Foi
flagrado fazendo sexo oral com o carro andando”. Já imaginaram alguém fazendo
sexo oral com um carro? E mais esta: “Foi decapitado após acidente com moto”. A
impressão que fica é que a pessoa morreu num acidente com moto e, depois de
morto, alguém a decapitou”.
Teixeira
sempre foi um crítico das frases mal formuladas, que tentam dizer alguma coisa,
mas dizem outra. Ele foi o primeiro editor do Jornal Feira Hoje (onde iniciei
minha carreira) com o qual trabalhei. Ele sempre nos chamava a atenção para
essas frases dúbias. Na época, um colega nosso, repórter que cobria a área de
política, costuma usar em seus textos as expressões “via de regra” e “por outro
lado”. Ele chamou a atenção do repórter várias vezes para que não utilizasse
aquelas expressões. Certo dia em que ele parecia “estar com a macaca”, ele saiu
da sua sala e entrou na redação já gritando: “Rapaz, eu já lhe disse que via de
regra é buceta, e por outro lado é cu”! Essas coisas faziam parte do nosso dia
a dia e até, às vezes, serviam para descontrair. Mas os erros e gafes da
imprensa existem desde os tempos de Gutemberg.
Há uma
estória dos tempos do Império, sobre o jornal que ao noticiar a chegada do
imperador que havia feito uma viagem, que desembarcou do navio amparado em duas
muletas, por causa de um pequeno acidente que sofrera. Dizia a manchete:
“Imperador desembarca amparado por duas mulatas”. Na edição seguinte, tentou
consertar o erro estampando a seguinte manchete: “Imperador desembarca amparado
por duas maletas”. Essas coisas demonstram que descidos e acidentes podem
acontecer com qualquer um, é natural, afinal somos seres humanos imperfeitos e
falíveis. Mas são exceções e não a regra.
Devemos
sempre buscar palavras que não deixem margem para dupla interpretação. Que não
suscitem dúvidas. Como no caso do meu amigo, que viajava num comboio de cinco
carros, numa parada eu disse a ele que iria na frente para organizar o local da
próxima parada. Só pedi que me lembrasse a entrada exata do local para onde nós
iríamos. E ele me disse: “Siga direto até encontrar a linha do trem. A entrada
é imediatamente após a linha, e daí pode seguir direto”. Quando cheguei à linha
do trem havia uma estrada imediatamente antes, mas ele disse que era após.
Segui por mais de um Km sem encontrar a tal entrada. Desconfiei e voltei para a
estrada antes da linha, onde encontrei um cidadão parado à sombra de uma árvore.
Perguntei e ele me disse que a estrada era aquela mesmo, e eu segui viagem.
Chegando ao local, encontrei um bar e restaurante ideal para nossa parada.
Conversei com o dono, ele arrumou as mesas e cadeiras, e eu pedi uma cerveja e
me sentei para beber enquanto aguardava os demais. Logo chegou o filho do meu
amigo, que havia saído pouco depois de mim, porque o pai dele lhe disse que
havia me informado que a entrada era depois da linha, e ele ficara preocupado de
que eu “tivesse levado ao pé da letra”.
NE: Publicada em 2021
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