* Samba de bambas*
A crônica dos hífens
Para quem é versado em valsas, sambar sem nunca haver entrado numa roda de bambas, é tão complicado quanto converter em texto - palatável e atraente - frias normas impostas por decreto.
Mesmo assim, busco inspiração – desafio autoimposto – para desfilar abraçado ao popular Hífen, no palco das letras mais conhecido por ‘Tracinho’.
Ao ensaio, lembrando sempre: “pelo estatuto da nossa gafieira, dance a noite inteira, mas dance direito”.
Música, maestro!
A ‘micro-história’, a respeito do sambista ‘ultra-heróico’, porém ‘anti-higiênico’ e metido a ‘super-homem’, exigiu esforço ‘sobre-humano’ para entendê-la.
Perceberam a ginga traçada no passo constante?
Anotem.
Passo nº 1.
Prefixos, sambando
com palavras iniciadas na letra ‘H’, abraçam-se ao hífen.
Ah! Para evitar topada, é bom não esquecer a única exceção. Caso a manobra para executar este passo, exigir esforço acima da capacidade do aprendiz, dir-se-á ‘subumana’ e não sub-humana como manda a regra. Coisas do samba.
Sambemos, pois.
Os ‘pré-primários’ e ‘recém-chegados’ sambistas - ‘sem-terra’ de ‘além-mar’ - antes de montarem as barracas ‘aquém-muros’ da universidade, tentaram falar com o ‘ex-presidente’, agora ‘vice-presidente’ ‘pós-graduado’ e ‘pró-reitor’, sem sucesso.
Passo nº 2.
Os nove prefixos cima - ‘pré’, ‘recém’, ‘sem’, ‘além’, ‘aquém’, ‘ex’, ‘vice’, ‘pós’, ‘pró’ – sempre sambam abraçados ao hífen: tracinho entre os dançarinos, portanto. Sem exceções e - para facilitar a lembrança e por oportuno - anotem também ser nove os países de língua portuguesa.
Agora, amigos chegados até aqui, atenção à cadência.
Preocupados com a pandemia, alguns sambistas havendo ‘auto-observado’ sintomas gripais, foi-lhes prescrito em ‘contra-ataque’, o ‘anti-inflamatório’ cujo frasco encontra-se sobre o ‘micro-ondas’.
Deu para perceber algo, comum à nova ginga?
Passo nº 3.
Prefixos, terminados
em vogal, para sambarem agarradinhos às palavras-parceiras iniciadas com a
mesma vogal, sempre contarão com a presença do hífen entre eles.
Eu disse sempre?
Perdoem-me, para complicar, há duas exceções.
Não se usa o tracinho quando o prefixo ‘CO’ convidar ao samba uma palavra iniciada com a vogal ‘O'. Tal é o caso de ‘coordenar e coobrigar’: os dois devem dançar separados, com cuidado para não pisarem nos pés das parceiras!
Samba que segue.
Dançarinos
‘hiper-ricos’, ‘super-românticos’, ‘super-resistentes’, ‘inter-raciais’, o que
mais terão em comum?
Mataram a charada?
Passo nº 4.
Em festa de bamba, não se dispensa o uso do hífen quando prefixos terminados em consoantes caiam no samba, abraçados a parceiras iniciadas com a mesma consoante.
Agora notem, até nossos indígenas aprenderam a sambar.
Passo nº 5
Sufixos de origem tupi-guarani – ‘açu’, ‘guaçu’, ‘mirim’ – dançam juntinhos com quem seja. Casos de ‘mogi-guaçu’, ‘araçá-mirim’ e ‘capim-açu’.
Maestro, por favor, aumente o som!
Nas rodas de bambas, certos sambistas exageram. Em vez de dançar agarradinhos, atracam-se, fundem-se numa só pessoa. Há que se respeitar tais exceções. Observem, por favor.
Passo nº 6.
Prefixos,
finalizados em vogal diferente da vogal inicial das palavras-parceiras não
aceitam, em nenhuma hipótese, o tracinho entre eles.
Há muitos sambistas
de tal naipe.
Apresento-lhes alguns: ‘aeroespacial’, ‘agroindústria’, ‘autoescola’, ‘coautor’, ‘plurianual’, ‘infraestrutura’, ‘autoimposto’, ‘contradança’.
Antes do samba
acabar, acompanhem com o olhar aqueles pares com as letras ‘R’ ou ‘S’ gravadas
às costas. Também dançam colados, compasso e ginga iguais ao passo nº 6.
Então, qual o porquê
de ser um passo à parte?
Prestando atenção, irão logo dar-se conta.
A sambista de ‘minissaia’, ‘neossocialista’, ‘semirrobusta’, ‘ultrarrigorosa’ ‘antissocial’ que usa ‘antirrugas’, e por engano tomou vacina ‘antirrábica’, com seu ‘biorritmo’ alterado, num verdadeiro ‘contrassenso’ acionou o ‘infrassom’ do ‘microssistema’ da gafieira.
Passo nº 7
Prefixos terminados em qualquer vogal, quando resolvem dançar com palavras-parceiras iniciadas nas letras ‘R’ ou ‘S’, duplicam-se estas últimas. Motivo: garantir a boa pronúncia.
O samba acabou.
Hifenizamos a
escrita, infernizamos a vida.
Samba de bambas requer treinamento.
Eu, dançarino das letras à moda antiga, tenho pisado, involuntariamente, na parceira amiga - nossa língua pátria. Vamos ver se, a partir de agora, corrijo-me.
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