Os tranquilões
Cara tranquilo era o Juvenal. Tanto que, apesar dos 50 janeiros, tinha a aparência de 30. Nenhum fio de cabelo branco, nenhuma ruga no rosto. “Me preocupar pra que”? Dizia sempre. Medo também não tinha. “Medo não ajuda em nada e ainda atrapalha o caboclo”, argumentava sempre. Nascido e criado na zona rural do sertão baiano, perambulava pelos pastos e caatingas, fosse a trabalho, correndo atrás de bois fugidos, fosse nas caçadas que tanto gostava, fosse de noite ou de dia, todo dia era dia, toda hora era hora. Não havia tempo ruim para ele. No embornal alguns ingredientes para temperar o que pescava ou caçava para comer, uma garrafa de pinga da boa (vai que uma cobra o mordesse), faca ou canivete, fios de nylon, pólvora, chumbo e buchas de sisal, para a lazarina. E o resto ele improvisava. Dormir em casa ou no mato para ele era a mesma coisa.
E ninguém
pense que era um matuto analfabeto ou ignorante. Tinha cursado o ginasial apenas, mas não largava o radinho de pilha,
onde ouvia os programas noticiosos. Ouvia até A Voz do Brasil, e sabia de tudo que
se passava nos bastidores políticos. Tinha um raciocínio rápido e claro, compreendia
tudo com facilidade. Aí vem a pergunta: Ele era rico? Sim e não. Depende do
ponto de vista. Se nos referirmos a bens materiais, posses, diria que não.
Tinha a casa em que morava rodeada por algumas tarefas de terra. Um sítio. Ali
criava galinhas, ovelhas, Umas três ou quatro vacas e um touro, além de dois
cavalos e uma mula, para trabalho ou montaria. Era bom no adestramento de
montarias e no manejo do gado, e sempre tinha alguém para lhe dar trabalho, e
também plantava milho, feijão e hortaliças. Vivia bem e não lhe faltavam dinheiro,
alimento e diversão.
Casou-se aos 20 anos
com uma cabocla da região e teve três filhos, todos já criados e casados
também. Sua esposa o ajudava no sítio e cuidava da casa. O casal gozava de
plena saúde e vivia feliz. Caso alguma enfermidade atingisse algum membro da
família, eles mesmos sabiam como procurar no mato as folhas, raízes ou qualquer
outra coisa para preparar a mezinha e afastar a doença. Os partos dos filhos
foram feitos em casa por uma parteira da região, que também era ótima rezadeira.
Nos fins de semana sempre tinha, no sábado, algum forró ou samba de reza para
ir e, no domingo, depois da missa, não faltava prosa boa no bar com os amigos, alguma
cavalgada, vaquejada, futebol, caçadas, e tantos outros divertimentos para
arejar a cabeça e enfrentar mais uma semana de trabalho.
Quando a energia elétrica
chegou até à sua propriedade, ele comprou um motor pra ralar mandioca e outro
para cortar capim, porque fez as contas e viu que poupava trabalho, além do
tempo que ele utilizava para fazer outras coisas, produzindo mais durante o
dia. Até que um dia a mulher e os filhos começaram a lhe “apertar o juízo” pra
ele comprar uma televisão. Apertaram tanto que ele cedeu. A vida mudou radicalmente.
Para pior. Os “meninos” já não faziam os deveres da escola e da casa, a mulher deixava
a comida queimar, ficou preguiçosa, já não cuidava bem dos filhos e da casa, um
inferno. Ele já estava a ponto de explodir, e explodiu. Um dia chegou em casa e
encontrou a sala cheia de televizinhos, como sempre. O jantar não estava pronto,
não tinha um café passado, e quando ele foi pegar o chapéu para sair para tomar
um ar fresco e se acalmar em algum boteco, o encontrou debaixo de um rapaz que
estava sentado em sua cadeira vendo televisão. Ele pegou o aparelho de TV, levou
para o terreiro da casa e, sem dizer uma palavra, o rachou no meio com um
machado.
A partir daquele dia, a
paz voltou a reinar naquela casa e ele, mulher e filhos, voltaram a viver como
sempre. Tranquilões.
NE:Publicada em 2021
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