domingo, 11 de agosto de 2024

 

A sabedoria oriunda da pedra empinada
 

Tempos atrás, um menino sonhador, debruçado na janela da casa onde nascera, empolgava-se ao apreciar um enorme espigão apontado para o céu. Era a ‘pedra empinada’ – Itabira, no linguajar dos tupis, o povo originário - cuja denominação se estendeu por toda região.

O menino sonhador virou poeta, sempre enamorado por aquele monte, hematita quase pura – rebatizado por Pico do Cauê. Para ele, algo estático, inanimado e inabalável.

Décadas de mineração sumiram com a pedra gigante. Em seu lugar, tal qual sino invertido, enorme cratera, profunda a perder de vista. No versejar do poeta, a descomunal pedra sumira do caminhar da sua existência. O vate, todavia, achou por bem não explicitar qual fora, na verdade, a “pedra no meio do caminho”.

Meu avô, em umas de nossas tertúlias, contou-me sonho tido, trazendo à tona, além da Pedra, o Vento.

Segundo o sonho, há milhões de anos, tempo antigo, no meio do caminho, o jovem Vento viu-se frente à frente com a poética Pedra secular. Inexperiente em voejar por trilhas pedregosas, à toa esbateu-se na persistente Pedra. Pedra que, graças à força das palavras, era desvestida de grandeza e significado. Afinal ela, pedra anônima - dessas que na vida, por acaso tropeçamos - estava perdida em meio ao caminho do Vento.

Tal sonho durou a eternidade de instantes. Vamos a ele, por etapas.

Nos primórdios do Tempo Eterno, o primitivo Vento, lépido, ágil, audacioso, tropeçou na Pedra, ela eternamente estática. O Vento – irado – verbalizou impropérios e chutou a Pedra que, calada permaneceu.

Passam-se séculos, muitíssimos. O Vento, então com espírito religioso, estava mais contido, mas tornou a tropeçar na Pedra Eterna. Olhos ao alto, evocou o Padre Eterno. Admitiu o choque à vontade de seu deus, Éolo.

O sonho prosseguiu por outras tantas gerações. A Pedra no mesmo lugar, imóvel. O Vento sempre soprando, deu adeus a seu deus. Trocou-o pelo mundo sobrenatural da magia. Assim, ao tropeçar na Pedra atribuiu a causa do incidente à má intenção dela.

Por outras incontáveis eras, Pedra e Vento seguiram seus fados. O dela, parado no tempo; o dele, em outro estágio. A rajada contra a Pedra passou a ser-lhe indiferente. O Vento aprendera ser responsável por sua falta de cuidado, evitar a Pedra e prosseguir no tempo. Conhecera a Sabedoria.

 

Hugo Adão de Bittencourt Carvalho (1941), economista, cronista, é autor do livro virtual Bahia – Terra de Todos os Charutos, das crônicas Fumaças Magicas e Palavras ao Ventoparticipa do Colares – Coletivo Literário Arte de Escrever. Vive em São Gonçalo dos Campos - BA

http://livrodoscharutos.blogspot.com

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