domingo, 18 de agosto de 2024


 
COM OLHARES QUASE CEGOS    

Num repente, pleno Natal, acinzentou-se o mundo. Deixei de ver as pedras do caminho.

        Tropeço nas teclas que por mim falam; redobro cuidados ao banho diário; confundo imagens, um paredão branco e um iceberg em nada diferem; despeço-me do ato de dirigir; não consigo traduzir o que manuscrevo; mil cuidados para encarar a ameaça de transbordar o vinho na diária taça; convivo às turras com o mouse que passou a brincar de se esconder; não mais consigo vincular planilhas do Excel com segurança; não vislumbro luz ao fim do túnel.

           Matutava eu, quanto às escuras sendas a trilhar, ano chegando, quando a poética indagação, acudiu-me: E, agora, José?

          Em passe de mágica, sou Inter nauticamente visitado por José – amigo mineiro, da velha guarda, apresentando-me a escritora carioca Ana Cláudia Saldanha Jácomo (1966), dona de prosa rica em poesia, estilo que tanto ele, quanto eu, apreciamos. Insuflado pelo título de linhas por ela alinhavadas - “Com olhos encantados” -, alcancei o das presentes perorações, “Com olhares quase cegos”. Olhares que, quando apagados pelo voluntário cerrar das pálpebras, me permitem o vislumbre o clarão da lua arrodeando a palmeira imperial à janela de meu quarto. Que não deleta lágrimas de saudades inundando abraços à distância. Que, mesmo eu tendo dez filhos, me compraza em ser abraçado por apenas um deles, comigo ao raiar do ano novo. Aos demais, espalhados pela América, mesmo sem tocá-los, os vejo com olhos d’alma. Olhos que seguirão vendo a vida, as cigarras anunciando o verão, nos oitizeiros da minha cidade; a epidérmica beleza marrom das baianas do Recôncavo. Olhos, quase cegos, que exercerão a vidência. Dos amigos e amigas distantes, dos literatos e literatas locais a quem muito aprecio; das mães de meus filhos às quais muito devo e devoto

        O caminhar futuro, sei, não será fácil, tantas são as artimanhas do destino. Mas, mesmo pouco ou nada vendo, sempre haverá espaço para temperar a vida com alguma poesia.

Feliz Ano Novo a quem se debruçar sobre estas linhas!

Hugo Adão de Bittencourt Carvalho (1941), economista, cronista, é autor do livro virtual

Bahia – Terra de Todos os Charutos, das crônicas Fumaças Magicas e Palavras ao Vento,

participa do Colares – Coletivo Literário Arte de Escrever. Vive em São Gonçalo dos Campos - BA
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