Feira de Santana: A saudade de uma praia que marcou gerações
As gerações mais recentes talvez não saibam, e até possam acreditar que se trata de uma brincadeira, mas Feira de Santana, bem distante do litoral baiano, teve uma bela e disputada praia que, aos domingos e feriados, atraía multidões de feirenses e moradores de cidades da região.
Feira de Santana, uma cidade com o seu jeito bem sertanejo, com origens fixadas em tropeiros e vaqueiros, já teve praia. Em dias de sol — o que não é novidade por aqui —, a cidade se enchia de gente em busca da areia branca, da água límpida e do recreio natural da paisagem praiana. Pode parecer estranho, mas o que muitos reclamam hoje, e que provoca o esvaziamento da cidade em feriados e no período de férias — a falta de praia — já não foi problema para o feirense. Com o afastamento do prefeito Francisco José Pinto dos Santos (Chico Pinto), pelo regime militar, ele governou de abril de 1963 a maio de 1964. O professor Joselito Falcão de Amorim, empossado pela Câmara Municipal, apresentou a solução.
Excelente em Matemática, destacando-se como professor da disciplina, administrador sério e cuidadoso, além de possuir um coração verdadeiramente feirense, ele não precisou recorrer à ciência exata para encontrar uma solução para um problema que não era de números, mas social. E assim, não foi necessário fazer demorados cálculos nem ir longe. A lagoa de São José, no distrito de Maria Quitéria, a 13 km do centro da cidade, foi cuidadosamente saneada, limpa e preparada para subir de categoria. De uma simples e natural reserva hídrica, foi elevada, com pompa, à praia de Feira de Santana. Para que um status melhor?
Cercada de areia branca, depositada por dezenas de caminhões em incessante vai e vem, com cajueiros nativos e coqueiros plantados, quiosques e área para os adeptos do futebol, a ‘praia de São José’ caiu no gosto do povo. Nos finais de semana e dias de domingo, verdadeiras caravanas tomavam direção à terra da heroína Maria Quitéria. De carro, bicicleta, carroça, cavalo ou a pé, era uma verdadeira ‘invasão’ que começava nas primeiras horas da manhã e só terminava ao final da tarde ou na ‘boca da noite’, como se dizia. O professor e fotógrafo de arte José Ângelo Pinto, filho do falecido vereador e vice-prefeito José Ferreira Pinto, lembra bem: “Eu era menino, mas meu pai me levava sempre, era ótimo.”
As mesmas lembranças estão contidas na memória do fotógrafo Jorge Magalhães. “Meu pai Antônio Magalhães e minha mãe, a professora Zeny, nos levavam — eu e meus irmãos Antônio e Valéria. Éramos todos pequenos e nos divertíamos muito. Minha mãe preparava comidas, e era uma festa”, rememora. O comerciante Acioly Santos tem boas lembranças, mas também uma um pouco desagradável: “Eu era menino e resolvi atravessar a lagoa a nado. O resultado: no meio do percurso, uma câimbra na panturrilha esquerda me pegou forte. Não me afoguei porque o local era raso.” Mas a experiência não lhe intimidou: “Continuei indo à praia de São José.”
Lembra o cordelista Jurivaldo Alves que, como forma de incentivar a população a frequentar a praia feirense, a Prefeitura Municipal oferecia transporte gratuito aos domingos: “Era uma marinete” e havia também kombis que faziam linha direta para o distrito, com passagem paga pelo usuário. Na lagoa, ou “mar” dos feirenses, foi colocado um barco para os que preferiam passear em vez de nadar. Barracas de comida, refrigerantes e vendedores logo apareceram — afinal, era praia!
Assim, por quase uma década, a praia artificial da cidade princesa foi, talvez, a mais importante atração existente, inclusive para pessoas de cidades da região. O tempo era ocupado com alegria e diversão, comuns a quem frequenta praias. Houve, no entanto, um hiato provocado por uma série de acidentes ocorridos nas águas da lagoa e nas estradas que levavam à Maria Quitéria. O comerciante Lucrécio Bantim, na época menino e frequentador do local, lembra que, em um só dia, ocorreram cinco óbitos.
“O problema é que muitos bebiam e entendiam de nadar como se estivessem sóbrios”, observa. Outro problema, igualmente ligado ao consumo de bebidas alcoólicas, ocorria na estrada de São José, que não estava devidamente preparada para o volume de tráfego que passou a registrar, especialmente no retorno ao final da tarde. Foram vários acidentes fatais, o que fez com que muitas pessoas deixassem de procurar a ‘praia de São José’, que teve um fim melancólico, até mesmo com a lâmina d’água praticamente desaparecendo, o que foi atribuído, por alguns, à nefasta ação do homem.
Mas, sobre esse fenômeno, o professor José Ângelo Pinto, estudioso da natureza, acredita que não tenha sido apenas a ação destrutiva humana, mas muito mais uma reação da natureza. “Vale lembrar que, no século XVII, por decisão da Imperatriz da Áustria, os cientistas Von Spix e Von Marcus, durante estudos sobre a flora e a fauna regional, estiveram pesquisando na área do hoje distrito de Maria Quitéria e relataram que o local era propenso a estiagens, com as águas secando. Acredito que tenha ocorrido um ciclo desse ali”, diz.
Todavia, o interessante nisso tudo é que a existência dessa praia artificial, durante quase uma década, tenha marcado tão profundamente uma geração que lembra com detalhes e até saudade muito do que ali aconteceu.
Por Zadir Marques Porto
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