domingo, 12 de janeiro de 2025

 


Sutilezas linguísticas

 Se Você parar para pensar qual seria a cor representada pela expressão “cor de burro quando foge”, constatará a frase não ser lógica. Afinal, burros não são camaleões e, quando fogem, não mudam de cor. A verdade é que, sendo o idioma um organismo vivo, de forma quase automática, vamos suprimindo letras, acoplando palavras, vezes muitas a ponto de se mudar o sentido inicial das locuções. Foi o acontecido com a expressão original “corro de burro quando foge”. Por ser bem mais fácil pronunciar “cor de burro” do que “corro de burro”, dá para entender o motivo da forma consagrada pelo uso. Mas, não foi só com os burros, as mudanças.

Quem não lembra do ingênuo versinho “batatinha quando nasce, esparrama pelo chão”, prelúdio de “a menina que namora põe a mão no coração?” Pois bem, embora as batatinhas ao brotarem se esparramem pelo terreiro, muito mais claro seria se, como originalmente foi concebido, a forma verbal “esparrama” voltasse a ser “espalha a rama”. Vamos conferir? “Batatinha quando nasce, espalha a rama pelo chão”. Não ficou perfeita?

Já que estamos no campo das (im)perfeições, às vezes uma alteração dá certo. Diria até que, no popular, tenha ficado bem melhor do que na redação clássica. É o caso do adágio “Quem tem boca vaia Roma”. Veja que aí está expresso o verbo ‘vaiar’, cunhado em frase usada pelos antigos opositores do império romano. Hoje seria alguma coisa, mais ou menos, tipo “Quem tem boca vaia Brasília”.  Mas, tendo Roma perdido sua hegemonia, nada mal o vulgo ter resolvido substituir “vaia”, por “vai a”, o que no fundo, traduz inequívoca verdade.

E como quem tem boca vai a Roma ou a Brasília, no meio do caminho poderá se deparar com alguém que seja “cuspido e escarrado a cara do pai”. Outra besteira institucionalizada. Na verdade, há um mármore afamado, oriundo da cidade de Carrara, Itália, muito usado para esculpir estátuas. O correto, portanto, da frase que revela identidade entre pai e filho seria “é a cara do pai, esculpida em Carrara”.

Não pretendo com tais registros firmar posições sobre o que seja certo ou errado. Já vi, gente declarar que vai caçar com a ajuda de um gato. Está aí, para não dizerem que minto, o usadíssimo bordão “quem não tem cão, caça com gato”. Será mesmo? Alguém já tentou caçar com um gato? A forma correta não seria “quem não tem cão, caça como o gato”? Ficou no ar? Pois é, quem não tem cão, vai à caça como o gato, ou seja, sozinho. Caça, da mesma forma que apreciei meu charuto, ao abordar tais ‘patranhas’. Sozinho.

 

Hugo Adão de Bittencourt Carvalho (1941), economista, cronista, é autor do livro virtual

Bahia – Terra de Todos os Charutos, das crônicas Fumaças Magicas e Palavras ao Vento,

participa do Colares – Coletivo Literário Arte de Escrever. Vive em São Gonçalo dos Campos.
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http://livrodoscharutos.blogspot.com

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