Caramuru às avessas
Supostamente, nos idos de 1510, quando Diogo Álvares Correia, fidalgo da Casa Real portuguesa - ao safar-se do naufrágio da embarcação que rumava para São Vicente - alcançou as costas do Arraial do Rio Vermelho, registrou-se o primeiro entrelace significativo entre o idioma luso e a língua ágrafa dos povos originários.
Não importa se Diogo Correia haja escapado de ser devorado pelos tupinambás – fato ocorrido com os demais viajantes – por ter se escondido entre as pedras, tal qual um peixe - a moreia - que, no idioma tupinambá, chamava-se Caramuru.
Também
não vem ao caso, outros considerarem ter, tal palavra, o significado de “filho
do trovão” e assim, teriam chamado Diogo, por ter disparado um tiro para o
alto, atemorizando os indígenas.
No
presente, de especial realce é o recente escambo linguístico acontecido,
propondo ao português, o aprendizado da língua da terra onde Caramuru ficou
para sempre e na qual semeou, por sua união com uma indígena, os fundamentos de
nossa ancestralidade.
Se
a data do lusitano em direção ao indígena é imprecisa, a deste na direção
daquele foi, fartamente, documentada. Cinco de abril de 2024, quando, pela vez
primeira, abriram-se as portas da lusófona ABL - Academia Brasileira de Letras,
para o descendente dos povos originários -
um Caramuru às avessas - nomeado Ailton Krenak.
Escritor,
filósofo e ambientalista, Ailton Alves Lacerda
Krenak (1953, Itabirinha, MG) assumiu-se representante dos 305 povos
indígenas que compõem a tessitura do país, ao receber os símbolos acadêmicos –
diploma, colar e espada. Fundada em 1897, transcorreram 127 anos para a ABL
acolher o primeiro indígena a seus quadros.
Na cerimônia da posse, além de eminências
ligadas a Cultura, a Direitos Humanos e a Funai, uma presença plural de etnias
indígenas de várias partes do país. Vestido no tradicional fardão azul marinho
com bordados dourados, Krenak não
dispensou o uso da bandana de sua etnia, tendo registrado, em seu discurso,
serem as diversificadas presenças étnicas, entre as quais se incluía, uma
inequívoca demonstração de sermos uma sociedade muito complexa. Ainda, segundo
ele, tal tomada de consciência resulta numa fricção entre o português da
academia e o falado no resto do Brasil Atlântico.
Quem
desejar melhor conhecer o novo laureado, recomenda-se a leitura de três obras
de sua autoria –“O Amanhã Não Está à Venda”, “A Vida Não é Útil” e “Ideias para
Adiar o Fim do Mundo”. Em tais obras, Krenak difunde o pensamento ameríndio,
propõe novos modos de vida - modos de se relacionar com o meio ambiente. Por outro lado, critica o que denomina
“humanidade zumbi”, uma ideia de progresso que “deslocou os homens do corpo da
terra e os levou ao consumo desenfreado e à destruição da natureza”.
Hugo Adão de Bittencourt Carvalho (1941), economista, cronista, é autor do livro
virtualBahia– Terra de Todos os Charutos, das crônicas Fumaças
Magicas e Palavras ao Vento,
participa do
Colares – Coletivo Literário Arte de Escrever. Vive em São Gonçalo dos
Campos.
[email protected]
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