O bloco surgiu em 1927 por conta de um grupo de amigos que procurava se divertir de uma forma inusitada
Há quase um século, um grupo de rapazes criou um bloco para brincar o Carnaval. Até aí, nada mais natural, nada mais lógico. Mas nada teve de lógico o nome da agremiação e o seu estandarte: um enorme e autêntico Bacalhau vindo da Noruega. Quando a Micareta foi instituída, cerca de 10 anos depois, o Bacalhau já havia garantido seu espaço na festa de Momo.
Precedendo o surgimento da Micareta, em cerca de uma década, o Bloco Bacalhau na Vara, comprovadamente a mais antiga entidade do gênero na Bahia, embora nunca tenha buscado holofotes, constituindo-se mais em um misto de lazer e folclore, reunindo famílias inteiras, caminha para 98 anos de existência em clima de expectativa dos foliões que, fiéis à tradicionalíssima agremiação, esperam ir às ruas mais uma vez para brincar sem correria e atropelo, características do "Bacalhau".
O bloco surgiu em 1927 por conta de um grupo de amigos que procurava se divertir de uma forma inusitada, e a ideia do bacalhau, que nada tinha a ver com a festa, entrou em pauta. Um bacalhau no Carnaval? Pois é, ainda não havia a Micareta, e a rapaziada, incluindo funcionários do Jornal Folha do Norte, entrou em ação. O negócio era brincar sem grandes alardes e a criatividade falou mais alto. Logo foi produzida a marcha oficial do pequeno bloco pela dupla Getonni (letra) e Argemiro Souza (melodia).
Todavia, o mais inimaginável foi o esquisitíssimo estandarte: um enorme bacalhau vindo do arquipélago de Lofoten, na Noruega (a terra do bacalhau). Preso em uma cruzeta, com as bordas portando dois pequenos frascos, contendo azeite de oliva, vinagre e duas grandes cebolas, o bacalhau, do alto de uma vara, parecia observar a alegria dos foliões que, no final da festa, iriam saboreá-lo. Mas era tudo festa mesmo! Quando a Micareta despontou, oficialmente em 1937, embora já fosse realizada sem qualquer nome desde 1934 na Rua de Aurora (Rua Desembargador Filinto Bastos), “pelos rapazes da Família Fadigas”, como enfaticamente garantia Manoel de Emília (Manoel Fausto dos Santos), um dos precursores da folia, o símbolo já garantira sua perenidade.
Passados os festejos do Ano Novo, as atenções do baiano concentram-se agora no Carnaval, que deve ser realizado no mês de fevereiro e logo após no ‘Carnaval de Abril que Sacode o Brasil’, como há muito tempo foi batizada a Micareta de Feira de Santana, que pode ser considerada a mais autêntica festa do gênero existente no país, não só pela titulação, mas por criar um calendário próprio, inédito, mostrando a criatividade e a independência, características natas do sertanejo. E como uma boa árvore, o festejo genuinamente feirense vem espalhando suas sementes germinadoras pelo território brasileiro e até fora dele, uma vez que eventos similares hoje já não se constituem novidade, devidamente modelados no que aqui nasceu.
A expectativa dos apreciadores da agremiação micaretesca é muito grande
Sem participar da Micareta desde 2020, o Bacalhau na Vara, mais uma vez, cria expectativa e deixa seus adeptos esperançosos com a possibilidade de saída este ano do tradicional bloco da Cidade Princesa. Voltando no tempo, vale lembrar que o Bacalhau já teve orquestra própria, cujos integrantes trajavam gorro amarelo com fitas roxas, jaqueta amarela com babados violetas e calças brancas, e tinha repertório exclusivo com músicas de Getonni (letra) e Argemiro Souza (melodia).
Com o passar do tempo e o natural acréscimo de integrantes, modificações foram ocorrendo, mas sem alterar a originalidade da entidade, que saia sempre ao meio-dia do domingo de Micareta, reunindo famílias inteiras e amigos ao som de marchas autenticamente carnavalescas executadas por bandas musicais. Advogados, médicos, estudantes, professores, comerciantes e pessoas do povo, sempre mediados pela tradição, iam pelas ruas de forma moderada, como a reviver os tempos iniciais da festa.
A jornalista Lícia Silva tenta encontrar espaços na sua agenda para reorganizar a vida do Bacalhau na Vara.
Nos últimos anos, muitos dos antigos baluartes deixaram a existência física, criando lamentáveis lacunas, algumas preenchidas por remanescentes das próprias famílias. A ausência dos saudosos advogados José Navarro, Hugo Navarro e Antônio Navarro, irmãos e dirigentes da Folha do Norte, que eram a 'linha de frente' da agremiação, representa um enorme vazio, ao lado de outros tantos nomes que honravam o grupo com suas presenças. Mesmo sem tempo disponível, devido à atividade profissional, a advogada e jornalista Lícia Silva, filha de Hugo Navarro, tenta encontrar espaços na sua agenda para reorganizar a vida do Bacalhau na Vara. A expectativa dos apreciadores da agremiação micaretesca é muito grande, esperando vê-la este ano na Avenida Presidente Dutra.
Por Zadir Marques Porto
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